Tuesday, October 27, 2009

Palavras

O teu corpo satisfeito
suado do esforço para arrancar de mim um suspiro de gozo
a dizer que me ama
- Amo-te…
sem emoção
- Amo-te…
um bigode
num arquejo
suado
- Amo-te…
a dizer que me ama
um bigode cheirando a cinzeiro
a dizer que me ama
como se um bigode
cheirando a cinzeiro
capaz de amar alguém
- Amo-te, Margarida.
como a minha mãe
- … Margarida…
sem emoção
a quem o meu pai nunca dissera amar
- O teu pai nunca disse que me amava.
e por isso eu a dever sentir-me satisfeita, pois ao menos tu
o teu bigode
apesar do porquê
daqueles três suspiros ridículos que os homens soltam no fim de quebrarem
- Amo-te, Margarida.
a dever sentir-me satisfeita
visto o meu pai
nunca
- Amo-te...
sem emoção, que fosse
- Amo-te...
uma vez na vida
- Amo-te…
nunca
nem sequer depois dos suspiros
ridículos
que os homens
ridículos
no fim de quebrarem
a dever sentir-me satisfeita
porque tu
o teu bigode
apesar do porquê
emoção ou não
- Amo-te, Margarida.
- … Margarina.
- … Catrapiler.
- … Regisconta.
- … Rais ta partam.
como todos os homens
ridículos
depois dos três suspiros
- Amo-te…
Mas não. Não sinto. Da mesma forma que não sinto tu a suspirares para dentro de mim. Sequer tu, dentro de mim. Não sinto, não sinto, não sinto…
ao contrário da voz da minha mãe
no meu estômago
como um arrepio
- Tu nunca te satisfazes com nada!
e uma vontade de responder
Com nada, mãe?
Um bigode cheirando a cinzeiro, mãe?
Um bigode que
- Ah! Ah! Ah!
trisuspirando
como quem
“minha machadinha”
quase sem folgo, como um rato desancado à vassourada
- Amo-te, Margarida.
só porque…
- Ah! Ah! Ah!
dentro de mim, mãe!?
É, mãe?
Nunca me satisfaço com nada, mãe?
Só porque o pai nunca
- Amo-te, Ricardina.
uma vez na vida
- Amo-te, Ricardina.
nem sequer depois dos suspiros
- Amo-te, Ricardina.
devo dar graças a Deus por o Manel
- Amo-te, Margarida.
(?)
É, mãe?
Só porque nunca um estalo, eu a dever graças a Deus?
É, mãe?
Nunca me satisfaço com nada!?
Acha, mãe? Com nada?
Um rato cheirando a cinzeiro, mãe!? Babado! Como se em vez da vassourada, a boca de um gato. Babado, mãe! Babado!
Como é que uma mulher se satisfaz com um rato babado cheirando a cinzeiro, mãe? Como, mãe? Como?
Nunca um carinho, um abraço, um jantar fora, uma flor. Peidos debaixo dos lençóis, mãe! Que eu há noites mal prego olho de tanto sonho por cumprir.
- Tu nunca te satisfazes com nada!
Nos pés, cascas de mexilhões nascendo dos dedos
e se eu
- Ó Manel, corta as unhas!
logo o Manel
- Andas muito fina, tu!
só porque eu
- Ó Manel, corta as unhas!
Nunca me satisfaço com nada, mãe?
Um bigode amarelo cheirando a cinzeiro. Não tinha dito? Digo agora. Amarelo. Como é que se geme debaixo de um bigode amarelo cheirando a cinzeiro senão de sofrimento, mãe? Como, mãe?
É pedir muito, um carinho, um abraço, um jantar fora, uma flor… unhas em vez de cascas, ar puro debaixo dos lençóis? É, mãe? Só porque
“- Amo-te”
depois de três suspiros
ridículos
dentro de mim?
As palavras não são tudo, mãe
Manel
(!)
Há os gestos, a ausência deles
que um
- Amo-te!
depois de um homem suspirar três vezes vale tanto como a confissão de um torturado
Mentira! Mentira! Mentira! Eu sei que é mentira, mãe!
“Amo-te”, coisa nenhuma
um desabafo
um suspiro diferente de “Ah!”
o mesmo que nada
o silêncio do pai depois de quebrar…
Nunca um carinho, um abraço, um jantar fora, uma flor. Peidos debaixo dos lençóis, mãe! Que eu há noites mal prego olho de tanto sonho por cumprir.
Mentira! Mentira! Mentira!
como
- Ah! Ah! Ah!
(minha machadinha)
e no mesmo fôlego
- Amo-te, Margarida.
naquele ínfimo instante em que um homem crê no amor como um condenado em Deus à hora da morte
mas que passa rápido
um calor que se perde depressa
porque o amor de um homem arrefece rápido, como o que deles nos sobra no transpirado das coxas
(não é mãe?)
rápido
frio
como
- Ah! Ah! Ah!
(minha machadinha)
desconfortável
um bafo, um bigode, um homem que não me lembro bem de onde veio
- De onde veio, mãe?
desconfortável
como o bafo do teu ressonar no meu pescoço.
Tenho nojo dele, mãe.
Nojo de ti, Manel.
E tão mais nojo de mim!
…tão mais nojo de mim…
neste desespero que grito para dentro
como os gemidos de sofrimento provocados pelo embate seco de um corpo estranho contra o ventre
(um corpo que não me lembro bem de onde veio
- De onde veio, mãe?)
até que
- Ah! Ah! Ah!
até que
- Amo-te, Margarida
até que
umas costas a roncarem para o meio da cama
umas costas que não me lembro bem de onde vieram.
- De onde vieram, mãe?
E eu cansada de fingir!
Não finjo mais, não finjo mais, não finjo mais…
tanto lhe dá
já perdi a conta aos anos que
tanto lhe dá
é por mim
é por mim que não finjo mais
que uma mulher não finge para o homem, mas para si mesma. Sei-o agora.
Portanto
não finjo mais
cansada de ali estar
como não estando
embora estado
sem que ali esteja
ou houvesse um dia
ali, como noutro lado qualquer, vazia contigo dentro,
vazia
contigo dentro
num gelar peganhento
até que
umas costas
que não me lembro bem de onde vieram.
a roncarem para o meio da cama
satisfeitas
suadas do esforço para arrancarem de mim um suspiro de gozo
depois de dizerem que me amam
- Amo-te, Margarida.
sem emoção
que para as costas
como para os bigodes
as palavras não custam nada
nada.

Não é mentira

Amo o Rui.
Amo o Rui, amo o Rui, amo o Rui…
Somos felizes.
Somos felizes, sim. Somos felizes.
Mas há uns dias que
no trabalho
o Simão…
Nem sei o que estou para aqui a dizer! Desabafos.
Amo o Rui.
Amo, sim. E somos felizes. É querido, é amigo, é companheiro, damo-nos bem na cama... Sim, damo-nos bem na cama. Mas há uns dias que
no trabalho
o Simão…
A verdade é que penso nele. Não gosto dele. Isso tenho a certeza.
Amo o Rui.
Mas a verdade é que
penso nele.
É desinteressado. Tem um olhar vago de quem não está nem aí para o mundo. Não dá confiança, mas sorri e é simpático. Há qualquer coisa que
os meus olhos
há qualquer coisa que puxa os meus olhos para ele.
Lá no escritório anda tudo doido. Só mulheres
e o Simão.
o Simão…
Lá no escritório anda tudo doido…
É bonito. Mas não é por isso. Tem um olhar vago de quem não está nem aí para o mundo. É desinteressado. Ou desperta interesse, que talvez seja o mesmo.
Nem sei o que estou para aqui a dizer! Desabafos.
Amo o Rui.
… damo-nos bem…
ainda ontem à noite, o Rui
na cama…
O Rui sempre me procurou. É quase sempre o Rui que me procura.
Amo o Rui, amo o Rui, amo o Rui…
quase sempre o Rui que me procura.
Gosto que o Rui me procure. Se calhar para me sentir mais desejada, ou por alguma coisa que está no meu genoma de fêmea
talvez seja o mesmo
talvez outra coisa qualquer na qual nunca parei para pensar.
Pensar para quê?
Amo o Rui.
Amo, sim. E somos felizes. É querido, é amigo, é companheiro, damo-nos bem na cama... Sim, damo-nos bem na cama. Mas há uns dias que
no trabalho
o Simão…
A verdade é que penso nele. Não gosto dele. Isso tenho a certeza.
Amo o Rui.
Mas a verdade é que…
É quase sempre o Rui que me procura.
Como ontem à noite
na cama
a mão do Rui, as minhas pernas, um arrepio, uma vontadinha
nunca é logo uma vontade
uma vontadinha
a mão do Rui
a boca
o meu pescoço, um arrepio
e a pouca luz do quarto a projectar na minha pele outra mão, outra boca
nas minhas pernas
no meu pescoço
outra mão
a pouca luz do quarto
outra mão
sim
não
sim
não
sim
mão
sim
mão
o Rui
o Rui
o Rui
amo o Rui
mas na minha cabeça
não sei porquê
Simão…
Não gosto dele. Isso tenho a certeza.
Mas…
um olhar vago
desinteressado…
Não gosto dele… certeza
amo o Rui
mas a verdade é que
penso nele.
Fizemos amor
eu e o Rui
sempre carinhoso comigo
nada a dizer
não é perfeito
ninguém o é
(detesto a expressão)
mas
nada a dizer.
Fizemos amor
o Rui
e no fim
o Rui
- Foi bom! Não foi?
e eu
- Foi. Foi óptimo.
eu que não estive bem ali
não me lembro de ter estado bem ali
de ter sentido bem as coisas.
Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.
Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.
Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.
Amo o Rui.
Amo o Rui.
Amo o Rui…
não é uma busca de verdade pela repetição da mentira.
Não é mentira.
Não é mentira.
Não é mentira.
Talvez outra coisa qualquer na qual nunca parei para pensar.
Pensar para quê?
Amo o Rui.
Amo, sim. E somos felizes. É querido, é amigo, é companheiro, damo-nos bem…
ainda ontem à noite…
- …Foi óptimo.
apesar de eu não ter sentido bem as coisas
Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.
como ontem
não é mentira
- …Foi óptimo.
ou pelo menos
- …bom!
como disse o Rui.
Há dias do mês em que as mulheres…
não sei porquê
nunca parei para pensar.
Pensar para quê?
Amo o Rui
somos felizes
apesar de há uns dias que
no trabalho
na minha cabeça
não sei porquê...
um olhar vago
desinteressado
não sei porquê
nunca parei para pensar…
Pensar para quê?
Não gosto dele… tenho a certeza.
Amo o Rui.
Amo o Rui.
Amo o Rui…
Amo o Rui, Simão. Entendes? Amo o Rui.

Monday, October 05, 2009

Então não se vê logo?

Havia qualquer coisa nos olhos dela
ou nos meus olhos a olharem os olhos dela
(que nestas coisas nunca se sabe muito bem)
que desafiava em mim uma paternidade desconhecida.
Era triste
o olhar
dela
ou o meu olhar para ela
(que nestas coisas…)
a provocar em mim uma vontade irresistível de abraçá-la
ou de abraçar-me a ela
(…nunca se sabe muito bem).
Trabalhava
ela
num cafezito de esquina, para os lados da Av. da Igreja
não na Av. da Igreja
para os lados
onde eu costumava parar ao fim da tarde.
Nunca lhe conhecera um sorriso
Não diria antipática
apenas
nunca lhe conhecera um sorriso.
Até ao dia em que, com um guardanapo, fiz uma coisa esquisita e, quando veio à mesa com a bica do costume, lhe passei para as mãos num
- Tome.
Ficou a olhar aquilo. A tentar, como eu, encontrar algum sentido para além de
- Tome.
mas porque sentido nenhum, por mais que a imaginação
é um gato pardo
um boi almiscarado
uma bobina de indução termoeléctrica
(se imaginasse o que isso fosse)
a perguntar
- O que é isto?
num alçar de sobrancelhas
arcos finos, cinzelados à pinça
reveladoras, só por isso, de alguma esperança na viva; na sorte; em algo que seja
chamem-lhe fado os mal fadados
(que nestas coisas nunca se sabe muito bem)
- O que é isto?
(pronuncia perfeita)
e eu
com a maior das obviedades
- É uma cegonha! Então não se vê logo?
porque não me lembrei
(e se lembrasse também não o diria)
- É uma vontade irresistível de abraçá-la.
ou de
- Abraçar-me a si.
(que nestas coisas…)
Por isso
não podendo dizer outra coisa
já que nem gato pardo, nem boi almiscarado
uma vontade termoeléctrica de bobinar-me em si
de a bobinar em mim
uma vontade termoeléctrica
uma bobina de indução
a dizer
- É uma cegonha! Então não se vê logo?
E um rir a não se lhe segurar aos lábios.
Não há como uma mulher de olhos tristes apanhada desprevenida pela graça.
Riu. Levou a mão à boca, onde um dente de ouro brilhava menos que os seus olhos
ou os meus olhos a olharem os olhos dela
(que nestas coisas nunca se sabe muito bem)
infantis
os meus olhos
os dela
a provocar em mim uma vontade irresistível de levá-la dali, pegá-la ao colo, aninhá-la em mim, encostar-lhe a cabeça ao peito e dizer
- Vai tudo correr bem.
como se alguma coisa me dissesse
os seus olhos, talvez
os meus a olharem os dela
que a vida não está fácil
os seus olhos, talvez
os meus a olharem os dela
a provocar em mim uma vontade irresistível de levá-la dali
de ser eu também criança aninhada ao colo
(que nestas coisas…)
o colo que se dá é o colo que se recebe.
Riu. Agradeceu sem jeito o objecto sem jeito
(pronuncia perfeita)
cegonha alguma
coisa alguma
(bobina de indução termoeléctrica)
apenas
- …uma vontade irresistível de abraçá-la.
ou de
- Abraçar-me a si.
(…nunca se sabe…)
pois não podia dizer outra coisa
já que nem gato pardo, nem boi almiscarado
apenas
- É uma cegonha! Então não se vê logo?
Quando saí, tornou a sorrir. Um troco em forma de dentes à mostra
(afinal eram dois
os de ouro)
De modo que na tarde seguinte
e na seguinte à seguinte
um sorriso ao chegar, outro com o café, e outro ao sair. Como uma prescrição médica. E eu a pensar que
um dia destes
não hoje
um dia destes
que um homem na minha idade
apesar de não acusar os anos
(sessenta e oito no fim do mês)
reformado e viúvo
tem o seu quê de timidez
mas um dia destes
eu a pensar
não hoje
um dia destes
convido-a para sair. Porque não? Dois anéis nos dedos. Aliança alguma. Dois anéis. Aliança alguma. De modo que
Porque não?
um homem na minha idade
reformado e viúvo
Porque não?
Uma companhia é uma companhia. E depois deixava-lhe tudo, que nem filhos nem sobrinhos.
Aninhá-la em mim
aninhar-me nela
que um homem na minha idade

abraçá-la
abraçar-me a ela
juntar duas vidas num viver só
até ao dia que Deus quiser
e depois…
e depois deixar-lhe tudo
cegonhas de papel
um apartamento na avenida do Brasil
a continha do banco
o pecúlio de uma vida de pouca coisa, mas séria
deixar-lhe tudo
de modo a ela
ainda nova
ficar assegurada
que a vida não está fácil
e parece-me que não vai estar nunca.

Sunday, October 04, 2009

Nome: Vida / Apelido: Ironia do Caralho

Sabem lá vocês o que é amar a Deus de cu para o ar!
- Ah e tal, matou a mulher… Era passar o resto da vida lá dentro!
Como se diferença alguma entre oito anos e o resto da vida.
Sabem lá vocês…
onde fica o fim da vida. A vida nem sempre termina na morte. Há vidas que nunca chegam a arrancar, apesar dos cadáveres
no topo de uma mesa
com um bolo à frente
enfeitado de velas
e um rebanho de ovelhas a balir desafinadas
(porque nunca se cantam parabéns afinados)
a bater os casquinhos no fim
por mais um ano de morte viva.
Sabem lá vocês…
o que é roer cadeia.
Só homens
tudo ao monte
tudo áspero
como uma barda de dois dias
lençóis de pano cru
as mãos de um trolha…
que na cadeia não há cremes
nem sabonete líquido
(sabonete líquido é outra coisa)
há sabão
duro
cheio de pêlos
escorregadio
como as enguias que
mal damos por elas
- Pst!
mal damos por elas
- Apanha aí.
e o jeito é só um.
Sabem lá vocês o que é amar a Deus de cu para o ar!
Um azar na vida. Um copo a mais, uma discussão fora de horas, um estalo sem memória, uma força mal medida e
- …matou a mulher… Era passar o resto da vida lá dentro!
Um cadáver no chão, um fio de sangue no tapete branco da sala, na quina da mesa de mármore…
Tantas vezes que a Zaida
- Cuidado com tapete, Zé Pedro!
- Ainda hás-de sujar o tapete, Zé Pedro!
- O tapete, Zé Pedro!
Tantas vezes que a Zaida
- … Zé Pedro!
mais a porcaria do tapete. Tantas vezes que…
um copo fora de horas
estalo mal medido
azar
uma discussão sem memória
força a mais
e a vida
um fio de sangue no tapete branco da sala
que o apelido da Vida é Ironia do Caralho.
Tantas vezes que a Zaida
- É só mulheres!
desconfiada
com razão
desconfiada, ainda assim
- É só mulheres!
a Zaida
mal poderia imaginar que agora
o apelido da vida
só homens
tudo ao monte
tudo áspero
como uma barda de dois dias
lençóis de pano cru
as mãos de um trolha…
que na cadeia não há cremes
nem sabonete líquido
(sabonete líquido é outra coisa)
há sabão
duro
cheio de pêlos
escorregadio
como as enguias que
mal damos por elas
- Pst!
mal damos por elas
- Apanha aí.
e o jeito é só um.
Sabem lá vocês o que é amar a Deus de cu para o ar!
- É só mulheres!
a Zaida
- É só mulheres!
É só mulheres!?
O último apelido da vida é que é só mulheres!
Só homens!
Só homens, Zaida!
Só homens…
Tudo ao monte
tudo áspero
como uma barda de dois dias
lençóis de pano cru
as mãos de um trolha
que
mal damos por elas
- Pst!
mal damos por elas
- Apanha aí.
Ironia do Caralho
é esse o apelido da vida
vida que
nem sempre termina na morte
como a da Zaida
um fio de sangue
na minha cabeça para o resto dos meus dias
um fio de sangue
e uma vontade de gritar
- Cuidado com o tapete!
Sempre que um fio do sangue
do nariz
do canto da boca
de entre as pernas, no primeiro dia em que
- Pst!
uma vontade de gritar
no primeiro dia em que
- Apanha aí.
uma vontade de gritar
que na cadeia não há cremes
nem sabonete líquido

sabão duro
cheio de pêlos
escorregadio
como o chão da sala
apesar do tapete
onde a Zaida
- … Zé Pedro!
um fio de sangue
para o resto dos meus dias
que oito anos, ou o resto da vida, vai dar no mesmo
como vai dar no mesmo
Vida, ou Ironia do Caralho.