tag:blogger.com,1999:blog-218397572024-03-13T11:13:42.742-07:00ImblogrioNorberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.comBlogger89125tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-28520746048252560002010-09-30T15:56:00.000-07:002010-10-02T09:50:32.308-07:00A mania das palavrasAo toque dos teus lábios no meu ombro descoberto, um arrepio<br /> não um arrepio no estômago, na espinha, no ventre, sequer.<br /> Como é que eu explico?<br /> Surpresa. Acho que surpresa, apenas. Uma espécie de frio, de medo, de desconforto…<br /> não bem frio, medo, desconforto…<br />Como é que eu explico? <br />Se calhar porque há muito tempo que nenhuns lábios no meu ombro. Se calhar não tanto os lábios. Mais o bigode, talvez. Possível até que um arrepio de cócegas. É isso, Marcelo! Um arrepio de cócegas. Como é que eu poderia sentir desconforto em relação a ti; uma espéciezinha de repulsa!? Claro que não! <br /> É certo que estremeci. Parece que petrifiquei, quando a tua perna a subir pela minha até quase à cintura. Não estava à espera, só isso.<br /> Tal como a mão na cova do meu braço <br /> a descer devagarinho<br /> como uma pedra de gelo a derreter sobre uma bancada inclinada<br /> a agarrar-me o seio<br /> todo<br /> a apertá-lo…<br /> Não bem um desconforto, um…<br /> Como é que eu explico?<br /> Quando os teus lábios<br /> ou o bigode dos teus lábios<br /> no silêncio das coisas moles <br /> a pegar-se-me ao pescoço…<br /> Como é que eu explico?<br />o cheiro acre do hálito…<br /> Não entendas mal!<br /> O cheiro acre de uma mistura de coisas que vão ficando da vida toda<br /> (quem sabe se, a procurar bem, não acharia aí o cheiro do nosso primeiro beijo, a minha saliva de menina ingénua!?<br /> Quem sabe!?)<br /> Não entendas mal!<br /> Talvez um acumular de palavras<br /> sedimentadas entre os dentes<br /> debaixo da língua.<br /> A mania das palavras se esconderem debaixo da língua!<br /> Se calhar é isso<br /> o cheiro acre das palavras por dizer<br /> palavras que sempre tiveste vontade, mas que a língua<br /> - Venham cá! Onde é que vocês vão?!<br /> Mais do que a coragem<br /> a língua<br /> - Venham cá! <br />a acumulá-las<br /> até que<br /> um cheiro acre de palavras mortas<br /> e <br />se alguma se esgueirasse por entre os lábios adormecidos pelo palheto<br /> logo o bigode <br /> - Venham cá! Onde é que vocês vão?!<br /> a absorvê-las<br /> como ao vapor da comida<br /> da sopa de nabiças<br /> dos pastelinhos de bacalhau<br /> (que eu nunca soube fazer como a tua mãe os fazia…)<br /> que aí ficaram do jantar<br /> (os meus, a que te foste habituando ao longo destes vinte anos)<br /> sob a mistura do café e do tabaco<br /> a São Domingos que não dispensas<br /> - Um homem farta-se de trabalhar!<br /> Pois está claro!<br /> E daí o acre.<br /> Donde mais?<br /> O seio apertado, como um pombo apanhado de surpresa a meio da noite num parapeito da cidade<br /> a fingir-se de morto<br /> bico encolhido<br /> uma espécie de frio, de medo, de desconforto…<br /> não bem frio, medo, desconforto…<br />Como é que eu explico? <br /> Uma espécie de.<br /> A mão a largar o pombo<br /> e o teu relógio a arranhar-me a barriga<br /> não me queixo<br /> não foi por mal<br /> pouca luz debaixo da colcha <br /> dois ponteirozinhos fluorescentes a alumiar caminho…<br /> Como é que eu explico?<br />Não bem frio, medo, desconforto…<br />Como é que eu explico?<br />Uma espécie de.<br /> E os meus olhos a fecharem-se<br /> que a luz da tua mesinha de cabeceira a projectar uma sombra enorme nas minhas costas, nas portas do roupeiro. Quantos anos terá aquele roupeiro, Marcelo? Já era dos teus pais. Lembras-te? Não, não estou noutro lado. É que… Lembrei-me, só isso.<br /> E o teu relógio a dar horas nas minhas as pernas<br /> para cima e para baixo<br /> como a mão da minha mãe quando eu caía<br /> e ela<br /> - Pronto, já passou.<br /> para cima e para baixo<br /> - Pronto…<br /> o elástico dos interiores a afastar-se da pele<br /> a permitir mais espaço ao relógio<br />dois ponteirozinhos fluorescente a indicar o caminho à tua mão, como duas lanternas no escuro<br /> já não no tecido<br /> já não na pele<br /> numa coisa intermédia que não sei bem se eu ou não<br /> e nisto a mão inteira a fazer-se encolher<br /> um arrepio<br /> não um arrepio no estômago, na espinha, no ventre, sequer.<br /> Como é que eu explico?<br /> Se calhar um desconforto. Sim, é capaz que um desconforto, mesmo<br />devia ter-me arranjado… Não estava à espera.<br />Eu sei que não te importas<br />é coisa rápida<br />além de que gostas de mim…<br />Não é, Marcelo?<br />ainda que as palavras debaixo da língua<br /> numa mania que não se entende<br /> a azedarem-te o hálito<br /> palavras que sempre tiveste vontade, mas que a língua<br /> o bigode<br /> - Venham cá! Onde é que vocês vão?! <br />a absorvê-las <br /> como ao vapor da comida<br />a sedimentá-las entre os dentes, debaixo da língua, num acumular acre de palavras mortas.<br />Eu sei que não te importas<br />é coisa rápida<br /> mas o que é que tu queres!?<br /> …<br /> Não estava à espera…<br />Há muito tempo que nenhuns lábios no meu ombro, no meu pescoço, nenhum tique-taque no meio das minhas pernas<br /> que o elástico dos interiores a afastar-se da pele<br /> a permitir mais espaço <br />que uma mão inteira <br /> delicada<br /> se assim se pode dizer<br /> a pegar, com cuidado, no pombo assustado de mim. <br />Não estava à espera…<br />O teu bigode a apagar-me os lábios <br />e o cheiro acre de uma mistura de coisas que vão ficando da vida toda, a luz dos olhos<br /> como a colher de óleo de fígado de bacalhau que a minha mãe<br /> - Laurinda Maria, não me faças fitas!<br /> a apagar-me a luz dos olhos.<br />Não para imaginar outra coisa; para custar menos<br /> mas por reflexo<br /> por um jeito que me ficou desse tempo em que<br /> - Está bem, está bem! Tem de ser, tem de ser, tem de ser…<br /> a encolher a língua<br /> colher na língua<br /> língua na língua<br /> a procurar palavras<br /> - … Tem de ser, tem de ser, tem de ser…<br /> a engolir o fígado de bacalhau<br /> o bacalhau inteiro <br />a tua língua<br /> mil cheiros<br /> sabores<br /> sopa de nabiças<br /> pastelinhos de bacalhau<br /> ou de fígado de bacalhau<br /> - … Tem de ser, tem de ser, tem de ser…<br /> Não uma espécie de repulsa. Um reflexo<br /> um jeito que me ficou desse tempo em que<br /> - Está bem, está bem!...<br />E nisto, um pouco mais de ti entre nós<br /> crescente<br />o teu corpo a subir para cima de mim<br />a procurar encaixar-se entre as minhas pernas dormentes<br /> como o pombo no parapeito<br /> Não eu, Marcelo. As pernas. O dia todo na loja, de pé… Sabes como é?!<br /> Mas tu a dares o jeito<br /> ponta de colher a afastar os lábios<br /> - Laurinda Maria, não me faças fitas!<br /> e eu<br /> - Está bem, está bem! Tem de ser, tem de ser, tem de ser…<br /> de olhos fechados<br /> e a colher<br /> o espéculo dos teus dedos<br /> a afastar os lábios<br /> - Pronto! Já está! Estás a ver?! Não custa nada!<br /> a voz da minha mãe nos meus olhos encolhidos<br /> nos meus olhos fechados<br /> - … Estás a ver! <br /> - … Não custa nada!<br /> a esperar pelo entretanto em que o desconforto<br /> ou lá que nome lhe dar<br /> abranda <br /> em razão inversa à tua respiração arfante, cachorro a fungar pombos no parapeito de mim.<br />É só esperar um pouco<br /> e depois até parece mais fácil<br /> quase parece agradável <br /> mais ou menos na altura em que tu estremeces<br /> um arrepio<br /> como eu ao início <br /> mas diferente<br /> e parece que paras de gostar de mim.<br /> Eu sei que não, Marcelo.<br /> As palavras é que…<br />Eu sei…<br /> Uma mania que não se entende.<br /> Afinal, um beijo na cabeça<br /> como uma voz na infância<br />- Pronto! Já está! Estás a ver?! Não custa nada!<br /> um beijo <br />na cabeça<br /> aplauso ao cair do pano sobre o palco ensonado das minhas pernas<br /> um beijo <br /> antes da mão no interruptor me apagar <br />como um cheiro acre <br /> a luz dos olhos <br /> e a tua voz<br /> na permissão censória do bigode<br /> me dizer<br /> - Até amanhã.<br /> e reduzir o quarto ao silêncio acre das palavras mortas.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-45218033398669104032010-09-25T20:31:00.002-07:002012-04-09T14:50:51.506-07:00Salmões no TejoPesava dos olhos. Não pensava em nada. <br /> Pensava no sono que me enchia a cabeça, como o azul intenso da manhã clara<br /> céu e mar…<br /> Não!<br /> Não pensava em nada.<br /> O Tejo enorme à minha frente<br /> ou o Atlântico, já<br /> naquele limbo misterioso que é a Cruz Quebrada<br />entroncamento entre dois rios e o oceano<br /> onde a estação se confunde com a espera, e eu<br /> com o banco enfadado<br />com o relógio dormente <br /> com o horizonte deserto de comboios e gente<br /> onde o tempo não passa e a vida se gasta toda<br />e onde apenas um albatroz na beira do telhado<br />que não há abutres neste Oeste<br />(há quem diga que albatrozes tão pouco)<br />(há quem diga tanta coisa)<br />na beira do telhado<br />com um olho posto no céu<br />no mar<br />no azul intenso da manhã clara<br /> e o outro <br /> que os albatrozes<br />como os abutres e os desconfiados<br />têm um olho para cada lado<br />o outro<br />nos restos de um velho a nascer na paisagem.<br />Vinha devagar<br /> a arrastar os pés<br /> zec, zec<br /> no chinelar cansado <br /> como se cada passo <br /> um degrau e meio<br /> avançando a passinhos de cego, arrastando a vida, forçando-a a mais um passo, mais um passo…<br />e a vida <br /> agarrada aos pés<br /> implorando-lhe que não<br /> por misericórdia<br />que já chegava<br /> que já não havia mais nada para andar<br /> que estava cansada<br /> que quanto mais andasse mais acabaria com ela…<br /> Mas o velho<br /> o pobre do velho<br /> (que todo o velho é pobre)<br /> confundindo <br /> (como toda a gente a dada altura)<br /> a vida com a morte<br /> arrastava-se<br /> (como uma presa mordida)<br /> arrastando-a<br /> cansada<br /> implorante<br /> - Pára! Por favor, pára! Senta-te, homem de Deus! Descansa! Não vês que acabas connosco?!<br /> Mas o velho<br /> o pobre do velho<br /> (que todo o velho é pobre)<br /> confundindo <br /> (como toda a gente…)<br /> a vida com a morte<br /> mais um passo, mais um passo…<br />no zec, zec dos chinelos gastos<br /> fugindo da vida como se da morte<br />vergado e lento<br />que a morte é uma cruz que se carrega às costas pela vida toda. <br /> Cada passo mais um passo a menos. E a cada passinho lento mais longe da vida; mais próximo da morte<br /> confundindo tudo<br /> apesar da vida<br /> - Pára! (…) Não vês que acabas connosco?!<br /> o velho<br /> surdo<br /> (que todo o velho é surdo)<br /> a arrastar as pernas para os braços da morte<br /> como um salmão exausto, rio acima<br /> pela orla do Tejo<br /> e por mais que a vida<br /> - Não há salmões no Tejo, homem de Deus!<br /> o velho<br /> o pobre do velho<br /> zec, zec<br /> passeio afora<br /> rio acima<br /> zec, zec<br /> num barbatanear cansado<br /> a deitar as guelras pela boca.<br />Na beira do telhado <br />o albatroz<br />que não há abutres neste Oeste<br />com um olho posto no céu<br />no mar<br />no azul intenso da manhã clara<br /> e o outro <br /> que os albatrozes<br />como os abutres e os desconfiados<br />têm um olho para cada lado<br />o outro<br />desconfiado<br />nos restos daquele salmão velho<br /> porque em tantos anos de vida nunca um salmão no Tejo<br />desconfiado<br />a olhar os restos do velho que demorava a passar <br /> como uma dor, uma angústia<br /> no zec, zec, dos chinelos gastos<br /> como os dias<br /> gastos<br /> de tanto<br /> zec, zec<br /> sem para onde ou remédio.<br /> Demorou a passar<br /> como uma tristeza, um desgosto de amor<br /> mas já lá vai<br />salmão perdido a caminho de Albarracim<br /> num zec, zec, de barbatanas gastas. <br /> Demorou a passar<br /> como uma pena de quinze anos, como o último dia antes das férias<br /> como a vida toda que é um instante<br /> espaço morto entre duas estações<br /> Cruz Quebrada – Cais do Sodré<br />mas que passa, todavia<br />como um par de chinelos rio acima<br />num zec, zec arrastado a caminho de Albarracim.<br /> O Tejo enorme à minha frente<br />para lá das grade que o separam da estação onde o comboio nunca mais chega do Atlântico para fazer paragem naquele limbo misterioso e levar-me de volta a Lisboa, que o tempo passa sem um homem se dar conta, e qualquer dia é um dia qualquer<br />que já não importa<br />pois cada passo <br />um degrau e meio<br />a arrastar a paisagem<br />num zec, zec miudinho <br />que já não leva a muito longe<br />e desperta o instinto do albatroz <br />(que há quem diga não haver por estas latitudes do mundo)<br />com um olho posto no céu<br />no mar<br />no azul intenso da manhã clara <br /> e o outro <br /> desconfiado<br />no gesto lento<br />no passo gasto<br />à espera do instante exacto de picar o voo<br />que ele afinal, há mais salmões no Tejo do que aquilo que se pode imaginar.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-6199902871688762312010-08-30T14:17:00.000-07:002010-08-30T15:05:17.284-07:00ContrafacçõesGostava de frequentar aquele bar. Era sempre sozinho que lá ia. Era sempre sozinho que lá estava. A dona, uma mulher robusta dos seus cinquenta, já me tratava pelo nome. <br /> - Boa noite, senhor António.<br /> apesar de eu<br />José Luís<br /> que para quem não quero que<br /> José Luís<br /> - António.<br /> De modo que<br />de cada vez que eu chegava<br /> - Boa noite, senhor António.<br /> e um sorriso<br /> uma mesura de cabeça…<br /> Uma simpatia!<br /> Talvez porque casa aberta<br />visto ter cara de mulher batida pelas rajadas da vida<br /> (ou do amor, que é o que se quer dizer quando se diz da vida)<br /> cujos pés <br /> sob as mantas<br /> se valiam um ao outro <br /> enroscando-se<br />num concílio de dedos <br /> para lhe acalentar o sono<br /> que a alma<br /> (e isto sou eu a dizer)<br /> há muito regelara de tão só.<br /> Fosse lá porque fosse<br />(não importa)<br />a verdade é que<br /> uma simpatia<br /> e eu…<br /> eu retribuía da melhor forma possível para um tipo do meu género<br />com cara<br />(bem certo)<br />de homem batido pelas rajadas da vida<br /> (…)<br />O bar ficava num primeiro andar de um prédio cujo rés-do-chão não existia<br />(porta da rua e umas escadas);<br />a meio do salão, encostado à parede, um piano sem cauda<br />como um cão amputado<br />aguardava umas festas <br /> (que era isso que lhe faziam)<br /> no pêlo zebrado de dálmata empalhado.<br /> Pedia um conhaque<br /> (eu, claro<br /> o piano, apenas umas festas)<br /> e a dona Odete<br /> (chamava-se Odete)<br /> a dona Odete<br /> trazia-me um brandy<br /> um sorriso<br />uma mesura de cabeça…<br />(uma simpatia)<br /> uma voz rouca de que quem toda a vida fumou e bebeu por solidão<br /> - Ora aqui está o conhaquezinho!<br />e um sorrido <br />um brandy <br /> que a dona Odete<br /> - …conhaquezinho.<br />e que eu <br /> (uma simpatia)<br />fingia ser conhaque<br /> Não importava. Sabia-me quase ao mesmo, embora pagasse pelo pedido e não pela destilação. Talvez por soar melhor ao ouvido, afinal<br />conhaque é conhaque! <br /> E ali ficava a bebericá-lo, enquanto a dona Odete declamava poesia nos intervalos das músicas. <br /> Pessoa. Sempre Pessoa. Singular ou plural, mas, sempre Pessoa.<br /> Era sempre dos últimos a sair<br /> eu<br /> a minha pessoa<br /> às vezes plural<br /> sempre das últimas a sair<br /> (que para quem não tem destino, qualquer lugar está bom<br /> está óptimo).<br /> … sempre dos últimos <br /> …<br /> Mas naquele dia fiquei para lá do suposto.<br /> …<br /> Na parede oposta da sala, por sobre uma lareira extinta<br /> (a lembrar-me um jazigo de família)<br /> uma réplica de Picasso<br />O peixe numa travessa<br />Se fosse português, talvez houvesse pintado uma posta de bacalhau assado a boiar num mar de azeite, imortalizando o “fiel amigo”. Mas era espanhol, raios o partam por isso também!<br /> Não me estou a desviar o assunto.<br /> … fiquei para lá do suposto. Não tinha ninguém à minha espera no quarto alugado onde vivia para os lados dos anjos<br /> e <br />porque ninguém à minha espera<br /> para os lados dos Anjos<br /> do céu<br /> do paraíso<br /> (que para quem não tem destino, qualquer lugar está bom<br /> está óptimo<br /> o paraíso)<br /> ninguém<br /> um cão, sequer <br />à minha espera<br /> ninguém<br />que eu<br />amigo nenhum<br /> (dois ou três colegas de trabalho, só isso)<br /> divorciado e sozinho<br /> - Impossível de aturar!<br /> nas palavras da minha ex-mulher.<br /> Não me estou a desviar o assunto.<br /> Um pequeno parênteses <br /> não há pressa<br /> ninguém à minha espera<br /> para os lados dos Anjos<br /> do céu<br /> do paraíso<br /> um cão, sequer<br /> um dálmata empalhado à espera de umas festas<br /> nada.<br /> Não me estou a desviar o assunto. <br />Um pequeno parênteses.<br /> Talvez se um conhaque <br /> um brandy<br /> não importa<br /> eu directo ao assunto<br /> que um conhaque<br /> ou brandy<br /> como um pequeno parênteses<br /> facilita as palavras que se querem dizer.<br /> De modo que<br /> sexta-feira à noite<br /> divorciado e sozinho<br /> conhaque e gigante <br /> (fica conhaque, que se lixe!)<br />fiquei para lá do suposto<br />no canto do costume<br /> (porque chegava cedo)<br /> ausente<br /> pensando em coisas ao sabor do conhaque<br /> quando um fulano de cabelo lambido se levantou de uma mesa entre eis e ous, e foi sentar-se vaidosamente ao piano. Não lhe prestei muita atenção<br /> pensando em coisas ao sabor do conhaque<br /> (…que se lixe!)<br />no canto do costume de quem chega mais cedo<br /> até ao instante em que começou a assassinar Choupin com as próprias mãos. <br />O conhaque, de repente, 605-forte<br />a queimar-me por dentro<br />direito aos nervos…<br /> Os amigos<br /> e os demais apedeutas ali presentes<br /> deram-lhe, com palmas, a ideia poder assassinar impunemente mais um génio ou dois. E o fulano <br />cabelo lambido<br />não foi de modas, enterrando as unhas assassinas no pescoço de Mozart, numa subespécie de Salieri rancoroso<br />um réquiem ao réquiem<br />e ali ficou, durante mais duas ovações, a arrancar uivos de dor àquele dálmata amputado, como uma criança que repete a palermice ante o riso idiota dos adultos…<br />Não me estou a desviar o assunto.<br />E o fulano<br />cabelo lambido<br />a caminho da mesa<br />(ante as palmas e os dentes arreganhados daquele grupo de babuínos)<br />com ar dos cagões sem arte a fingir modéstia<br />- Nada de especial! <br />que era mais do que a verdade, embora ninguém concordasse com isso<br /> (nem mesmo ele)<br /> porque<br /> na voz dos amigos<br /> - Lá está este gajo armado em modesto!<br /> - Podia ter ido longe! <br /> outro mais consciencioso<br /> (pelo menos prefiro pensar assim)<br /> Mas não foi<br />e <br />para mal dos meus pecados<br />ficou por ali, a acabar de me falsificar a noite<br />a arrancar-me a fórceps da minha ausência<br />do canto do costume<br />a despertar em mim instintos violentos<br />que<br />felizmente<br />apaziguados pela presença robusta da dona Odete que se chegou ao centro da sala ainda a chapar as palmas uma na outra <br />(também ela)<br /> que quem não distingue brandy de conhaque também não distingue Mozat de José Cid<br /> (talvez porque casa aberta)<br /> (uma simpatia)<br /> e a anunciar <br />no fadeout dos aplausos<br />um poema de Pessoa<br /> singular<br /> plural<br /> não importa…<br />Não me estou a desviar do assunto.<br /> …a gerar silêncio na sala<br />e a sua figura<br /> (vestido castanho de ombros largos, pernas grossas)<br /> a colocar a voz <br />rouca<br />de que quem toda a vida fumou e bebeu por solidão<br />a inspirar fundo<br />enchendo o peito<br />onde o coração<br />senhor de um espaço imenso<br />a olhar para o canto <br />onde eu de costume<br />a encarnar o drama da declamação<br />a fechar os olhos, encerrando-me dentro<br />e...<br />Nessa noite não fui o último a sair. Nessa noite fiquei para além claridade da manhã. Nessa noite <br />de manhã<br />quando uma voz nas minhas costas<br />- Até logo, António.<br />eu<br />de mão na porta<br />na maçaneta de gelo<br />a sentir na boca a verdade contrafeita que alimenta a vergonha dos tristes e <br />por pouco não disse<br />- Zé Luís. Trate-me por Zé Luís.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-27317115463205537902010-08-25T14:28:00.001-07:002010-08-26T13:10:28.870-07:00Vives perigosoVives perigoso, no meio de todas as tuas cautelas, e<br /> por mais que alguém<br /> - Abre os olhos!<br /> hás-de sempre encolher os ombros e seguir em frente, porque se ele há coisa que tu sabes é por onde pisas. E os erros dos outros…<br /> os erros dos outros são os erros dos outros. <br /> Não és o único. Mas não sê-lo não te livra da mediocridade. E o haver mais cegos na terra não te alivia a cegueira. <br /> Não te preocupes com nada! Não penses em coisa alguma. Para quê? No fim de contas já pagas os teus impostos e o que ganhas mal te dá para tabaco e cafés. Pena o preço dos livros estar pela hora da morte, e um bilhete de teatro, nem se fala! Porque senão…<br /> senão seria Eça e Shakespeare de manhã à noite. <br /> Assim, olha… vai uma revistinha de algodão doce ou um jornaleco desportivo. <br /> Vives perigoso, no meio de todas as tuas certezas, e por mais que alguém <br /> - Abre os olhos! <br /> hás-de sempre encolher os ombros e seguir em frente, porque em frente é que é o caminho. Mas ignoras que o caminho em frente é para quem sabe para onde vai, e tu… tu andas às voltas, como o ponteiro dos segundos, preso pelo rabo, embrutecendo sem sair do lugar. E como o ponteiro dos segundos, és o que mais se cansa, porque o que importa são as horas e de ti pouco se quer saber. Tens de dar muita volta para que o barão dos ponteiros se digne a dar um passo, que esse sim é importante, apesar de pequeno e gordo. És um burro à nora, que enquanto não tirar mil alcatruzes de água não tem direito a matar a sede.<br /> Crês que se acabou o tempo da escravatura? Nem o tronco nem a chibata se extinguiram. Mudaram-se-lhes apenas os nomes, que é assim que se enganam os tolos e não com bolos e papas como há ainda muito quem pense. E de quem é a culpa?<br /> Diria que é desses bastardos que disparam o preço dos livros, dos bilhetes de teatro; que deixam a vida pela hora da morte. Porque senão<br /> eu sei<br /> senão seria Eça e Shakespeare de manhã à noite.<br /> Mas boceja, que é o que melhor te sai da boca. Não digas nada. Não faças coisa alguma. Para quê? Não pagas já os teus impostos e não andas à rasca para tabaco e cafés?<br /> Encolhe os ombros e segue em frente, porque em frente é que é o caminho… <br /> o caminho do sofá, da superfície comercial, do café, do trabalho, do cemitério municipal.<br /> Que sabes tu do mundo que te rodeia, tu que votas e te exaltas? Tu que revolucionarias a economia de um país inteiro, do mundo todo, se tos pusessem nas mãos, apesar de estares enterrado em dívidas até à última vértebra do pescoço? <br /> A culpa é do sistema. Também concordo. Do jantar fora por sistema, do comprar roupinha de marca por sistema, do último telemóvel por sistema, de umas jantes novas para o popó por sistema, da malinha nova para condizer com a sainha nova por sistema, do ipod, do pda, do htc, do lcd, tudo xpto. <br /> Pena o preço dos livros estar pela hora da morte e não haver bibliotecas neste país! Felizmente as revistitas de algodão doce e os jornalecos desportivos são oferta do Estado, que nem para tudo é mau o sistema.<br /> Que sabes tu do mundo que te rodeia, tu que votas e te exaltas? Que acabarias com a guerra no mundo, mas distribuis lambada lá por casa como panfletos à boca do metro?<br /> E de ti mesmo, que sabes tu? Saberás, por certo, mais da vida alheia, ou da de uma qualquer personagem de novela, que de ti mesmo ou de quem a teu lado enche o silêncio do quarto com roncos profundos. Mas como poderias tu saber, se tens a cabeça mareada de tanto andar à volta e o chão já te dá pela cintura… Não tardará a cobrir-te por completo. <br /> Saberás, porventura, o porquê da tua inércia, da tua inépcia? E como se conjuga a segunda pessoa do singular do futuro do conjuntivo do verbo saber?<br /> Quando souberes, avança… até lá<br /> Abre os olhos!Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-57084736492983404992010-07-31T13:32:00.000-07:002010-08-20T16:27:01.344-07:00Un je ne sais quoiHá pessoas que<br /> como dizer (?)<br /> falta-lhes qualquer coisa, que<br />não sabendo nós explicar<br />é a mais importante das coisas: aquilo a que os franceses chamam de “um eu não sei o quê”. <br />É capaz, pois, que seja isso. Aliás, só pode, visto não haver outro nome para lhe dar. Era isso que Lara tinha<br />ou não tinha.<br />Até há bem pouco tempo a minha cabeça confundia conceitos, de tal modo que cheguei a pôr em causa coisas até aí incontestáveis.<br /> A Lara era dona de um corpo soberbo. Fisicamente era irrepreensível. Inteligente, simpática… No entanto, havia nela qualquer coisa <br /> melhor dizendo<br /> não havia<br /> nela <br />qualquer coisa. <br /> A princípio questionava-me sem encontrar um porquê. Creio que o tempo que passámos juntos foi mais pelo gosto dos meus amigos que pelo meu próprio.<br /> - Bem, ganda canhão, ó Rui!<br /> e eu<br /> objector de consciência por natureza<br /> a perguntar-me se não estaria aí o problema<br /> - … ganda canhão…<br /> de maneira que quando a Lara<br /> - Saímos hoje?<br /> numa vozinha sensualíssima<br /> (também isso jogava a seu favor)<br /> eu a não ter outra resposta que<br /> - Sim. Porque não!<br /> na convicção estúpida dos indecisos <br /> - … Porque não!<br /> porque <br /> a falta-lhe qualquer coisa <br /> aquilo a que os franceses <br /> “um eu não sei o quê”<br />que Lara tinha<br />ou não tinha. <br />Até há bem pouco tempo a minha cabeça confundia conceitos, de tal modo que<br /> - Sim. Porque não!<br /> e a acordar no Estoril, na manhã seguinte, num open space com vista para o mar, num enjoo de quem comeu molotofe a noite toda <br /> um enjoo que parece saciedade <br /> mas enjoo<br /> saciedade zero<br /> um encher de boca com algodão doce que<br />mal a língua<br /> o céu da boca<br /> puf<br /> feito em nada<br /> aparência apetitosa ante o olhar guloso de criança que pouco pegou no peito da mãe<br /> (uma infecção não sei das quantas)<br /> vai daí que o leite<br /> uma aguadilha só<br /> alimento zero<br /> um soro vazio de nutrimento e afecto<br /> de modo que eu<br /> se um peitinho mais avolumado <br /> a atirar-me ao chão da minha infância <br /> carente<br /> (a infância e eu)<br /> a salivar como um cão russo ao toque de uma sineta. <br /> Por isso, da primeira vez que a Lara <br /> (o peito da Lara)<br /> nos meus olhos<br /> eu a achar que a mulher da minha vida, o peito devido da minha infância. Mas ao fim da primeira noite<br /> um open space sobre o mar do Estoril<br /> um enjoo de marinheiro<br /> não pelo mar do Estoril<br /> mas pelo molotofe <br /> pelo corpo da Lara que<br /> sabor nenhum<br />um vazio que nem a magnificência do peito conseguiu encher<br /> a perguntar para mim mesmo diante do Atlântico<br />do mar do Estoril<br />varanda aberta sobre um infinito de azul<br /> - O que é que foi isto?<br /> e uma vontade de sair de mansinho sem dizer nada <br /> de lhe pedir desculpa <br /> (melhor seria)<br /> uma vontade de lhe dizer<br /> (com a mão a coçar a nuca. Tenho a certeza que com a mão a coçar a nuca)<br /> - Não sei qual é a tua ideia em relação a isto…<br /> (a isto?!)<br /> - … mas…<br /> …<br />e a Lara a acordar, a espreguiçar-se nua, a sorrir de satisfeita com o Mar do Estoril a incendiar o quarto com o reflexo do dia<br /> o corpo dourado<br />soberbo<br />irrepreensível<br />num contorcer de lençóis realizados<br /> - Bom dia!<br /> pés de dedos perfeitos, num esticar de gata feliz. <br /> - Bom dia!<br />a levantar-se da cama<br /> nua<br /> pés perfeitos<br /> os joelhos<br /> os ossos das ancas<br /> a púbis loura<br />soberbo<br /> o corpo<br />irrepreensível<br />olhos verdes<br />fios de ouro pelos ombros abaixo<br />almofadinhas no lugar dos lábios <br />e um peito…<br />- Bom dia!<br />na minha direcção<br />varanda aberta sobre um infinito de azul<br />onde a brisa fresca da manhã no seu corpo inteiro <br />descalço até à alma<br />de mamilos livres a provocar o vento <br />a dar-me um beijo<br />- Bom dia! <br />almofadinhas no lugar dos lábios <br />o hálito morno do sono<br />e dois casulos de seda a tocar-me o peito<br />livres<br />a provocar o vento<br />o mar do Estoril <br />-Bom dia!<br /> A manhã do mundo inteira e fresca nas minhas narinas<br /> a cabeça confusa<br /> numa neblina a lembrar São Pedro de Moel<br /> a Nazaré de D. Fuas<br />enjoo e vertigem…<br /> e a voz da Lara<br /> (também isso jogava a seu favor)<br /> qualquer coisa que não me consigo recordar<br />a afastar-se<br />para já ali <br /> polibã transparente com vista para o quarto<br /> para o mar do Estoril<br />varanda aberta sobre um infinito de azul <br /> de dúvidas<br /> a pôr em causa coisas até aí incontestáveis…<br /> a puxar-me<br />não sei como<br />a puxar-me<br />para já ali<br /> polibã transparente<br /> e a ensaboar-me as dúvidas<br /> debaixo de um aguaceiro sobre o Oceano imenso<br /> a gerar, no silêncio de uma mão a coçar a nuca, uma inquietação que não se disse<br />- Não sei qual é a tua ideia em relação a isto…<br /> E a repetir-se a noite, a madrugada e a manhã ao longo do dia<br /> e as dúvidas todas<br /> um mar delas maior que o do Estoril<br /> que o Atlântico inteiro<br /> a naufragar-me as certezas<br /> uma trás outra<br /> como um malmequer de espuma<br /> serei gay?<br /> não serei gay?<br /> (Que estupidez tão grande!) <br />e a repetir-se a noite, a madrugada e a manhã, o dia todo nessa mesma noite, na noite seguinte <br /> a esforçar-me para me manter concentrado<br /> a parecer cumprir o papel sem a menor das repreensões<br /> visto a Lara<br /> sorrisos nos olhos<br />de manhã sobre o mar<br />mais reservada no passar dos dias<br /> camisolinha de alças <br /> mais provocadora, talvez<br /> algodão branco cobrindo casulos de seda<br /> ((como o polibã transparente)<br /> (cobrindo coisa nenhuma)) <br />camisolinha de alças <br />a provocar o vento <br /> - Bom dia!<br /> dia trás dia<br /> - Bom dia!<br /> para o mar do Estoril<br /> inchado de ondas<br /> o Atlântico todo posto de pé<br />visto a Lara<br />ou os casulos de seda <br /> - Bom dia!<br />dia trás dia<br /> até que uma noite<br /> às escuras <br /> (nem uma fresta de estores) <br /> o sono<br /> como um molotofe <br />puf<br /> feito em nada<br /> a procurá-la com o faro, como os bichos, a fungar no vazio do Universo inodoro<br />à procura daquele corpo que <br /> já ali<br /> e…<br />puf<br />um molotofe <br /> polibã transparente<br />nada! <br />Foi então que compreendi o “…não sei o quê” a que os franceses chamam àquilo que a Lara não tinha. Faltava-lhe cheiro. Era inodora como água destilada. Nem um só aroma. Nada. Suada, por suar, ao adormecer, ao acordar… <br />rigorosamente inodora<br />uma Jeanne-Baptiste Grenouille da Penthouse. Nem o cheiro da cama, do sono, do perfume que apenas na roupa que vestia, como se a pele rejeitasse artificialidades. <br /> Curioso como o cheiro pode tanto. Quando regressámos a Lisboa disse-lhe que não me sentia bem na relação <br /> (que não era relação nenhuma, mas…)<br /> que andava confuso<br /> que tinha receio de me envolver…<br /> (as desculpas do costume)<br /> A Lara não entendeu.<br /> Uma mulher nunca entende que um homem<br /> - Não me sinto bem na relação.<br /> (que não era relação nenhuma, mas…)<br />- Ando confuso.<br /> - … receio de me envolver.<br />(as desculpas do costume)<br />não entendeu<br />a Lara<br />nem os meus amigos, quando eu<br />- Faltava-lhe qualquer coisa.<br /> porque impossível de explicar a um grupo de homens que deixara uma mulher daquelas por não ter cheiro. Por isso, a dizer apenas<br />- Faltava-lhe qualquer coisa.<br />- Faltava-lhe o quê, pá?!<br />e eu<br />impossível de explicar a um grupo de homens que<br />o cheiro<br />a dizer apenas<br /> - Aquilo que os franceses chamam de Un je ne sais quoi.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-54045071402940753782010-06-30T14:37:00.000-07:002010-06-30T14:38:24.202-07:00Plataforma de embarqueLembro-me como se fosse hoje. Uma floresta de gente, de um lado para o outro<br /> na época em que as pessoas apenas pernas <br />e uma voz<br />lá em cima<br /> a lembrar deuses<br /> e eu<br /> pela mão nervosa da minha mãe, na plataforma de embarque de Santa Apolónia, com a voz do meu pai<br /> muito para lá das pernas<br /> a recomendar<br /> - Porta-te bem rapazão!<br /> e eu<br /> que não era rapazão<br /> a dizer que sim com a cabeça<br /> não a dizer <br /> - Sim.<br /> apenas com a cabeça <br /> porque a voz atabalhoada talvez não chegasse lá acima<br /> (que a voz dos pequenos, como a dos burros, nunca chega ao céu)<br /> é ver o caso da avó Maria, a rezar baixinho pela sorte dos filhos e dos netos que<br /> - … pouca sorte. <br /> e quando é pouca<br /> dizia <br /> - … mais vale nenhuma!<br /> de modo que<br /> sim com a cabeça<br /> não a dizer<br /> …<br /> apenas com a cabeça<br /> onde uma mão<br /> de Deus<br /> do meu pai<br /> (naquela idade, uma e a mesma coisa)<br /> a repetir<br /> porque nunca é demais um aviso<br /> - Porta-te bem rapazão!<br /> A mesma mão que depois na barriga da minha mãe, antes do beijo na face<br /> que naquele tempo a boca apenas para comer e falar<br /> (pouco de cada)<br /> pois nem para rezar a Deus se precisava de abri-la. Apesar da avó Maria de gengivas polidas<br /> a mastigar orações, duras, como côdeas, que é com pão que se comunga à mesa de Deus e não com as rodelinhas de Farinha Amparo, que o padre Simeão<br /> - Corpo de Cristo.<br /> “Corpo de Cristo uma ova! Farinha Amparo, ou pensa que me engana!?” e <br /> apesar de não precisar <br /> a boca da avó Maria lá ia macerando as palavras, as côdeas, o corpo do Senhor<br /> - … assim na Terra como no Céu…<br /> de gengivas polidas<br /> num “nham, nham” suplicante<br /> pela sorte dos filhos e dos netos que<br /> - … pouca sorte.<br /> e quando é pouca…<br /> (já se sabe)<br /> num “nham, nham” suplicante<br /> como a boca da minha mãe por um beijo que<br /> na face<br /> que naquele tempo os beijos na boca reservavam-se à intimidade do quarto <br /> (se por ventura alguma intimidade no quarto)<br /> pois como na oração da avó Maria<br /> pela sorte dos filhos e dos netos que<br /> - …não nos deixeis <br /> Senhor<br /> - …cair em tentação…<br /> De modo que<br /> uma mão na cabeça<br /> um beijo na face<br /> e umas costas enormes a afastarem-se de nós. Não o meu pai<br /> umas costas enormes<br /> a diminuírem na plataforma de embarque de Santa Apolónia<br /> até quase ao meu tamanho<br /> o meu pai <br /> ou as costas<br /> quase do meu tamanho<br /> cabeça e tronco<br /> um pouco mais do que umas pernas<br /> um homem<br /> o meu pai, um homem<br /> deus algum<br /> um homem<br /> a apequenar-se <br /> a apequenar-se<br /> (que à distância todos os gigantes são pequenos; todos os deuses são mundanos)<br /> a afastar-se<br /> de nós<br /> cada vez mais pequeno<br /> duas malas<br /> pouco pai já<br /> já não duas pernas<br /> duas malas <br /> um sobretudo<br /> a caminho do comboio, a caminho de <br /> - Paris de França, filho.<br /> a minha mãe a responder à pergunta de “para onde” “o pai”<br /> como se<br /> - Paris de França…<br /> Póvoa de Santo Adrião<br /> para onde, dali a pouco<br /> a camioneta<br /> que naquele tempo<br /> autocarro<br /> como beijo na boca <br /> não se usava.<br /> - Paris de França, filho.<br /> numa voz tremida<br /> a lembrar-me a avó Maria<br /> …orações polidas, a mastigar gengivas, duras, côdeas de Deus, não rodelinhas de Farinha Amparo<br /> - … o pão-nosso de cada dia …<br /> que é com pão que se comunga à mesa do Senhor, padre Simeão!<br /> voz tremida<br /> na plataforma de embarque de Santa Apolónia<br /> - Paris de França, filho.<br /> como se<br /> - Paris de França…<br /> Póvoa de Santo Adrião<br /> para onde, dali a pouco…<br /> Lembro-me como se fosse hoje. Uma floresta de gente, de um lado para o outro <br /> a minha mãe<br /> na plataforma de embarque de Santa Apolónia<br /> uma mão no ar a despedir-se de um par de malas <br /> de um sobretudo<br /> de si mesma <br /> na mala do meu pai<br /> numa moldura foleira <br /> (a própria palavra - foleira)<br /> uma mão no ar<br /> a outra a segurar a barriga, a minha irmã Cristina<br /> que eu <br /> (um rapazão)<br /> a não precisar já que me segurassem a mãozinha<br /> a mão, corrijo<br /> onde tantos dedos quantos o anos que tinha<br /> fácil a conta quando me perguntavam <br /> - Quantos anos tens tu?<br /> logo muito pronto, de mãozinha no ar<br /> mão, corrijo<br /> logo muito pronto<br /> num juramento solene<br /> - Estes.<br /> de mão no ar<br /> como a minha mãe na plataforma de embarque de Santa Apolónia<br /> uma mão cheia<br /> de anos<br /> de tristeza<br /> de adeus<br /> e por isso<br /> quando seis, já<br /> ainda a levantar uma mão apenas. Para quê complicar as coisas quando, a partir de certa altura, uma mão cheia diz tudo? <br /> anos<br /> tristeza<br /> adeus…<br /> …para quê complicar as coisas…? <br /> uma mão apenas<br /> no ar<br /> cheia<br /> vazia<br /> cheia de vazio<br /> outra forma de dizê-lo<br /> adeus…<br />apenas uma<br />… para quê complicar…?<br /> a outra, na barriga <br /> enorme<br /> sete meses<br /> para que a minha irmã não chorasse<br /> pois (para quem não sabe) os bebés choram na barriga das mães. E quando a placenta já lhes não contém o peso das lágrimas, vêm chorar cá para fora, que há mais espaço para o lamento. Se calhar por isso a Cristina a nascer de oito meses, pois as lágrimas da minha mãe a irem-lhe pela goela abaixo juntar-se às suas, que nos olhos, uma lentura apenas .<br />E nisto um<br /> Tuu-Tuu<br /> ou eu a achar que um<br /> Tuu-Tuu<br /> a pôr o comboio em marcha<br /> - Paris de França…<br /> Mil cabeças à janela…<br /> - Qual é o pai, mãe?<br /> E uma lágrima a transbordar da placenta para os lábios sumidos, que agora, sim, era a sério<br /> Tuu-Tuu<br /> - Qual é o pai, mãe?<br /> a não alcançar resposta<br /> porque a voz atabalhoada talvez não chegasse lá acima<br /> (que a voz dos pequenos…)<br /> o caso da avó Maria<br /> a não alcançar resposta<br /> - … assim na Terra como no Céu…<br /> - Qual é o pai, mãe?<br />a não alcançar resposta<br />mil cabeças à janela<br /> e um alarido de braços no ar a despedirem-se do meu pai <br /> da minha mãe<br /> na mala<br /> numa moldura foleira<br /> (a própria palavra…)<br /> a caminho de França<br /> há cinquenta e três anos<br /> como se fosse hoje<br /> a última vez que<br /> - …rapazão!<br /> na plataforma de embarque de Santa Apolónia<br />uma floresta de gente<br />pernas e vozes<br />braços no ar <br />a despedirem-se <br />do meu pai<br /> para sempre<br /> (…)<br />para sempre<br />para sempre<br /> para sempre<br /> Tuu-Tuu…Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-32864188276534345752009-10-27T20:17:00.000-07:002009-10-27T20:32:53.670-07:00PalavrasO teu corpo satisfeito<br /> suado do esforço para arrancar de mim um suspiro de gozo<br /> a dizer que me ama<br /> - Amo-te…<br /> sem emoção<br /> - Amo-te…<br /> um bigode <br /> num arquejo<br /> suado<br /> - Amo-te…<br /> a dizer que me ama<br /> um bigode cheirando a cinzeiro<br /> a dizer que me ama<br /> como se um bigode<br /> cheirando a cinzeiro<br /> capaz de amar alguém<br /> - Amo-te, Margarida.<br /> como a minha mãe<br /> - … Margarida…<br /> sem emoção<br /> a quem o meu pai nunca dissera amar<br /> - O teu pai nunca disse que me amava.<br /> e por isso eu a dever sentir-me satisfeita, pois ao menos tu<br /> o teu bigode<br /> apesar do porquê<br /> daqueles três suspiros ridículos que os homens soltam no fim de quebrarem<br /> - Amo-te, Margarida.<br /> a dever sentir-me satisfeita <br /> visto o meu pai<br /> nunca<br /> - Amo-te...<br /> sem emoção, que fosse<br /> - Amo-te...<br /> uma vez na vida<br /> - Amo-te…<br /> nunca<br /> nem sequer depois dos suspiros <br /> ridículos <br /> que os homens <br /> ridículos<br /> no fim de quebrarem<br /> a dever sentir-me satisfeita <br /> porque tu<br /> o teu bigode<br /> apesar do porquê<br /> emoção ou não<br /> - Amo-te, Margarida.<br /> - … Margarina. <br /> - … Catrapiler.<br /> - … Regisconta.<br /> - … Rais ta partam.<br /> como todos os homens<br /> ridículos<br /> depois dos três suspiros<br /> - Amo-te…<br /> Mas não. Não sinto. Da mesma forma que não sinto tu a suspirares para dentro de mim. Sequer tu, dentro de mim. Não sinto, não sinto, não sinto…<br /> ao contrário da voz da minha mãe<br /> no meu estômago<br /> como um arrepio<br /> - Tu nunca te satisfazes com nada!<br /> e uma vontade de responder <br /> Com nada, mãe?<br /> Um bigode cheirando a cinzeiro, mãe?<br /> Um bigode que<br /> - Ah! Ah! Ah!<br /> trisuspirando<br /> como quem<br /> “minha machadinha”<br /> quase sem folgo, como um rato desancado à vassourada<br /> - Amo-te, Margarida.<br /> só porque… <br /> - Ah! Ah! Ah!<br /> dentro de mim, mãe!?<br /> É, mãe? <br /> Nunca me satisfaço com nada, mãe?<br /> Só porque o pai nunca<br /> - Amo-te, Ricardina.<br /> uma vez na vida<br /> - Amo-te, Ricardina.<br /> nem sequer depois dos suspiros <br /> - Amo-te, Ricardina.<br /> devo dar graças a Deus por o Manel<br /> - Amo-te, Margarida.<br /> (?)<br /> É, mãe?<br /> Só porque nunca um estalo, eu a dever graças a Deus?<br /> É, mãe?<br /> Nunca me satisfaço com nada!?<br /> Acha, mãe? Com nada?<br /> Um rato cheirando a cinzeiro, mãe!? Babado! Como se em vez da vassourada, a boca de um gato. Babado, mãe! Babado!<br /> Como é que uma mulher se satisfaz com um rato babado cheirando a cinzeiro, mãe? Como, mãe? Como?<br /> Nunca um carinho, um abraço, um jantar fora, uma flor. Peidos debaixo dos lençóis, mãe! Que eu há noites mal prego olho de tanto sonho por cumprir.<br /> - Tu nunca te satisfazes com nada!<br /> Nos pés, cascas de mexilhões nascendo dos dedos<br /> e se eu<br /> - Ó Manel, corta as unhas!<br /> logo o Manel<br /> - Andas muito fina, tu!<br /> só porque eu<br /> - Ó Manel, corta as unhas! <br /> Nunca me satisfaço com nada, mãe? <br /> Um bigode amarelo cheirando a cinzeiro. Não tinha dito? Digo agora. Amarelo. Como é que se geme debaixo de um bigode amarelo cheirando a cinzeiro senão de sofrimento, mãe? Como, mãe?<br /> É pedir muito, um carinho, um abraço, um jantar fora, uma flor… unhas em vez de cascas, ar puro debaixo dos lençóis? É, mãe? Só porque<br /> “- Amo-te”<br /> depois de três suspiros<br /> ridículos<br /> dentro de mim?<br /> As palavras não são tudo, mãe<br /> Manel<br /> (!)<br /> Há os gestos, a ausência deles<br /> que um<br /> - Amo-te!<br /> depois de um homem suspirar três vezes vale tanto como a confissão de um torturado<br /> Mentira! Mentira! Mentira! Eu sei que é mentira, mãe!<br /> “Amo-te”, coisa nenhuma<br /> um desabafo<br /> um suspiro diferente de “Ah!”<br /> o mesmo que nada<br /> o silêncio do pai depois de quebrar… <br /> Nunca um carinho, um abraço, um jantar fora, uma flor. Peidos debaixo dos lençóis, mãe! Que eu há noites mal prego olho de tanto sonho por cumprir. <br /> Mentira! Mentira! Mentira! <br /> como<br /> - Ah! Ah! Ah!<br /> (minha machadinha)<br /> e no mesmo fôlego<br /> - Amo-te, Margarida.<br /> naquele ínfimo instante em que um homem crê no amor como um condenado em Deus à hora da morte<br /> mas que passa rápido<br /> um calor que se perde depressa<br /> porque o amor de um homem arrefece rápido, como o que deles nos sobra no transpirado das coxas<br /> (não é mãe?)<br /> rápido<br /> frio<br /> como <br /> - Ah! Ah! Ah!<br /> (minha machadinha)<br /> desconfortável<br /> um bafo, um bigode, um homem que não me lembro bem de onde veio<br /> - De onde veio, mãe? <br /> desconfortável <br /> como o bafo do teu ressonar no meu pescoço.<br /> Tenho nojo dele, mãe.<br /> Nojo de ti, Manel. <br /> E tão mais nojo de mim!<br /> …tão mais nojo de mim…<br /> neste desespero que grito para dentro<br /> como os gemidos de sofrimento provocados pelo embate seco de um corpo estranho contra o ventre<br /> (um corpo que não me lembro bem de onde veio<br /> - De onde veio, mãe?)<br /> até que<br /> - Ah! Ah! Ah!<br /> até que<br /> - Amo-te, Margarida<br /> até que <br /> umas costas a roncarem para o meio da cama<br /> umas costas que não me lembro bem de onde vieram.<br /> - De onde vieram, mãe? <br /> E eu cansada de fingir!<br /> Não finjo mais, não finjo mais, não finjo mais…<br /> tanto lhe dá<br /> já perdi a conta aos anos que<br /> tanto lhe dá<br /> é por mim<br /> é por mim que não finjo mais<br /> que uma mulher não finge para o homem, mas para si mesma. Sei-o agora.<br /> Portanto <br /> não finjo mais<br /> cansada de ali estar<br /> como não estando<br /> embora estado<br /> sem que ali esteja<br /> ou houvesse um dia<br /> ali, como noutro lado qualquer, vazia contigo dentro, <br /> vazia<br /> contigo dentro<br /> num gelar peganhento<br /> até que <br /> umas costas <br /> que não me lembro bem de onde vieram.<br /> a roncarem para o meio da cama<br /> satisfeitas<br /> suadas do esforço para arrancarem de mim um suspiro de gozo<br /> depois de dizerem que me amam<br /> - Amo-te, Margarida.<br /> sem emoção<br /> que para as costas<br /> como para os bigodes<br /> as palavras não custam nada<br /> nada.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-37990717246766803112009-10-27T20:15:00.000-07:002009-10-27T20:16:11.905-07:00Não é mentiraAmo o Rui.<br /> Amo o Rui, amo o Rui, amo o Rui…<br /> Somos felizes. <br /> Somos felizes, sim. Somos felizes. <br /> Mas há uns dias que<br /> no trabalho<br /> o Simão…<br /> Nem sei o que estou para aqui a dizer! Desabafos. <br /> Amo o Rui.<br /> Amo, sim. E somos felizes. É querido, é amigo, é companheiro, damo-nos bem na cama... Sim, damo-nos bem na cama. Mas há uns dias que<br /> no trabalho<br /> o Simão…<br /> A verdade é que penso nele. Não gosto dele. Isso tenho a certeza. <br /> Amo o Rui.<br /> Mas a verdade é que<br /> penso nele. <br /> É desinteressado. Tem um olhar vago de quem não está nem aí para o mundo. Não dá confiança, mas sorri e é simpático. Há qualquer coisa que<br /> os meus olhos<br /> há qualquer coisa que puxa os meus olhos para ele. <br /> Lá no escritório anda tudo doido. Só mulheres<br /> e o Simão. <br /> o Simão…<br /> Lá no escritório anda tudo doido…<br /> É bonito. Mas não é por isso. Tem um olhar vago de quem não está nem aí para o mundo. É desinteressado. Ou desperta interesse, que talvez seja o mesmo.<br /> Nem sei o que estou para aqui a dizer! Desabafos.<br /> Amo o Rui.<br /> … damo-nos bem…<br /> ainda ontem à noite, o Rui <br /> na cama…<br /> O Rui sempre me procurou. É quase sempre o Rui que me procura. <br /> Amo o Rui, amo o Rui, amo o Rui…<br /> quase sempre o Rui que me procura. <br /> Gosto que o Rui me procure. Se calhar para me sentir mais desejada, ou por alguma coisa que está no meu genoma de fêmea<br /> talvez seja o mesmo<br /> talvez outra coisa qualquer na qual nunca parei para pensar.<br /> Pensar para quê?<br /> Amo o Rui.<br /> Amo, sim. E somos felizes. É querido, é amigo, é companheiro, damo-nos bem na cama... Sim, damo-nos bem na cama. Mas há uns dias que<br /> no trabalho<br /> o Simão…<br /> A verdade é que penso nele. Não gosto dele. Isso tenho a certeza. <br /> Amo o Rui.<br /> Mas a verdade é que…<br /> É quase sempre o Rui que me procura.<br /> Como ontem à noite<br /> na cama<br /> a mão do Rui, as minhas pernas, um arrepio, uma vontadinha<br /> nunca é logo uma vontade<br /> uma vontadinha<br /> a mão do Rui<br /> a boca<br /> o meu pescoço, um arrepio<br /> e a pouca luz do quarto a projectar na minha pele outra mão, outra boca<br /> nas minhas pernas<br /> no meu pescoço<br /> outra mão <br /> a pouca luz do quarto<br /> outra mão<br /> sim<br /> não<br /> sim<br /> não<br /> sim<br /> mão<br /> sim<br /> mão<br /> o Rui<br /> o Rui<br /> o Rui<br /> amo o Rui<br /> mas na minha cabeça<br /> não sei porquê<br /> Simão…<br /> Não gosto dele. Isso tenho a certeza.<br /> Mas…<br /> um olhar vago <br /> desinteressado…<br /> Não gosto dele… certeza<br /> amo o Rui<br /> mas a verdade é que<br /> penso nele. <br /> Fizemos amor<br /> eu e o Rui<br /> sempre carinhoso comigo<br /> nada a dizer<br /> não é perfeito<br /> ninguém o é<br /> (detesto a expressão)<br /> mas<br /> nada a dizer.<br /> Fizemos amor<br /> o Rui<br /> e no fim<br /> o Rui<br /> - Foi bom! Não foi?<br /> e eu<br /> - Foi. Foi óptimo.<br /> eu que não estive bem ali<br /> não me lembro de ter estado bem ali<br /> de ter sentido bem as coisas.<br /> Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.<br /> Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.<br /> Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.<br /> Amo o Rui.<br /> Amo o Rui.<br /> Amo o Rui…<br /> não é uma busca de verdade pela repetição da mentira.<br /> Não é mentira.<br /> Não é mentira.<br /> Não é mentira.<br /> Talvez outra coisa qualquer na qual nunca parei para pensar.<br /> Pensar para quê?<br /> Amo o Rui. <br /> Amo, sim. E somos felizes. É querido, é amigo, é companheiro, damo-nos bem…<br /> ainda ontem à noite…<br /> - …Foi óptimo.<br /> apesar de eu não ter sentido bem as coisas <br /> Há dias do mês em que as mulheres não sentem tão bem as coisas.<br /> como ontem<br /> não é mentira<br /> - …Foi óptimo.<br /> ou pelo menos<br /> - …bom!<br /> como disse o Rui.<br /> Há dias do mês em que as mulheres…<br /> não sei porquê<br /> nunca parei para pensar.<br /> Pensar para quê?<br /> Amo o Rui<br /> somos felizes<br /> apesar de há uns dias que<br /> no trabalho<br /> na minha cabeça<br /> não sei porquê...<br /> um olhar vago <br /> desinteressado<br /> não sei porquê<br /> nunca parei para pensar…<br /> Pensar para quê?<br /> Não gosto dele… tenho a certeza.<br /> Amo o Rui.<br /> Amo o Rui.<br /> Amo o Rui…<br /> Amo o Rui, Simão. Entendes? Amo o Rui.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-90127010442757543762009-10-05T00:20:00.001-07:002009-10-05T00:34:26.602-07:00Então não se vê logo?Havia qualquer coisa nos olhos dela <br /> ou nos meus olhos a olharem os olhos dela<br /> (que nestas coisas nunca se sabe muito bem)<br /> que desafiava em mim uma paternidade desconhecida.<br /> Era triste<br /> o olhar<br /> dela<br /> ou o meu olhar para ela<br /> (que nestas coisas…)<br /> a provocar em mim uma vontade irresistível de abraçá-la<br /> ou de abraçar-me a ela<br /> (…nunca se sabe muito bem).<br /> Trabalhava<br /> ela<br /> num cafezito de esquina, para os lados da Av. da Igreja<br /> não na Av. da Igreja<br /> para os lados<br /> onde eu costumava parar ao fim da tarde.<br /> Nunca lhe conhecera um sorriso<br /> Não diria antipática<br /> apenas <br /> nunca lhe conhecera um sorriso. <br /> Até ao dia em que, com um guardanapo, fiz uma coisa esquisita e, quando veio à mesa com a bica do costume, lhe passei para as mãos num <br /> - Tome.<br /> Ficou a olhar aquilo. A tentar, como eu, encontrar algum sentido para além de<br /> - Tome.<br /> mas porque sentido nenhum, por mais que a imaginação <br /> é um gato pardo<br /> um boi almiscarado<br /> uma bobina de indução termoeléctrica <br /> (se imaginasse o que isso fosse)<br /> a perguntar<br /> - O que é isto?<br /> num alçar de sobrancelhas<br /> arcos finos, cinzelados à pinça<br /> reveladoras, só por isso, de alguma esperança na viva; na sorte; em algo que seja<br /> chamem-lhe fado os mal fadados<br /> (que nestas coisas nunca se sabe muito bem)<br /> - O que é isto?<br /> (pronuncia perfeita)<br /> e eu<br /> com a maior das obviedades<br /> - É uma cegonha! Então não se vê logo?<br /> porque não me lembrei <br /> (e se lembrasse também não o diria)<br /> - É uma vontade irresistível de abraçá-la.<br /> ou de <br /> - Abraçar-me a si.<br /> (que nestas coisas…)<br /> Por isso<br /> não podendo dizer outra coisa<br /> já que nem gato pardo, nem boi almiscarado <br /> uma vontade termoeléctrica de bobinar-me em si<br /> de a bobinar em mim<br /> uma vontade termoeléctrica<br /> uma bobina de indução<br /> a dizer<br /> - É uma cegonha! Então não se vê logo?<br /> E um rir a não se lhe segurar aos lábios.<br /> Não há como uma mulher de olhos tristes apanhada desprevenida pela graça. <br /> Riu. Levou a mão à boca, onde um dente de ouro brilhava menos que os seus olhos<br /> ou os meus olhos a olharem os olhos dela<br /> (que nestas coisas nunca se sabe muito bem)<br /> infantis<br /> os meus olhos<br /> os dela<br /> a provocar em mim uma vontade irresistível de levá-la dali, pegá-la ao colo, aninhá-la em mim, encostar-lhe a cabeça ao peito e dizer<br /> - Vai tudo correr bem.<br /> como se alguma coisa me dissesse<br /> os seus olhos, talvez<br /> os meus a olharem os dela<br /> que a vida não está fácil<br /> os seus olhos, talvez<br /> os meus a olharem os dela<br /> a provocar em mim uma vontade irresistível de levá-la dali<br /> de ser eu também criança aninhada ao colo <br /> (que nestas coisas…)<br /> o colo que se dá é o colo que se recebe.<br /> Riu. Agradeceu sem jeito o objecto sem jeito<br /> (pronuncia perfeita)<br /> cegonha alguma<br /> coisa alguma<br /> (bobina de indução termoeléctrica)<br /> apenas<br /> - …uma vontade irresistível de abraçá-la.<br /> ou de <br /> - Abraçar-me a si.<br /> (…nunca se sabe…)<br /> pois não podia dizer outra coisa<br /> já que nem gato pardo, nem boi almiscarado <br /> apenas<br /> - É uma cegonha! Então não se vê logo?<br /> Quando saí, tornou a sorrir. Um troco em forma de dentes à mostra<br /> (afinal eram dois<br /> os de ouro)<br /> De modo que na tarde seguinte<br /> e na seguinte à seguinte <br /> um sorriso ao chegar, outro com o café, e outro ao sair. Como uma prescrição médica. E eu a pensar que<br /> um dia destes<br /> não hoje<br /> um dia destes<br /> que um homem na minha idade<br /> apesar de não acusar os anos<br /> (sessenta e oito no fim do mês)<br /> reformado e viúvo<br /> tem o seu quê de timidez<br /> mas um dia destes<br /> eu a pensar<br /> não hoje<br /> um dia destes<br /> convido-a para sair. Porque não? Dois anéis nos dedos. Aliança alguma. Dois anéis. Aliança alguma. De modo que<br /> Porque não?<br /> um homem na minha idade<br /> reformado e viúvo<br /> Porque não?<br /> Uma companhia é uma companhia. E depois deixava-lhe tudo, que nem filhos nem sobrinhos.<br /> Aninhá-la em mim<br /> aninhar-me nela<br /> que um homem na minha idade<br /> …<br /> abraçá-la<br /> abraçar-me a ela<br /> juntar duas vidas num viver só <br /> até ao dia que Deus quiser <br /> e depois…<br /> e depois deixar-lhe tudo<br /> cegonhas de papel<br /> um apartamento na avenida do Brasil<br /> a continha do banco<br /> o pecúlio de uma vida de pouca coisa, mas séria<br /> deixar-lhe tudo<br /> de modo a ela<br /> ainda nova<br /> ficar assegurada<br /> que a vida não está fácil<br /> e parece-me que não vai estar nunca.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-33904902879750683542009-10-04T23:36:00.000-07:002009-10-05T00:06:06.228-07:00Nome: Vida / Apelido: Ironia do CaralhoSabem lá vocês o que é amar a Deus de cu para o ar!<br /> - Ah e tal, matou a mulher… Era passar o resto da vida lá dentro!<br /> Como se diferença alguma entre oito anos e o resto da vida. <br /> Sabem lá vocês…<br /> onde fica o fim da vida. A vida nem sempre termina na morte. Há vidas que nunca chegam a arrancar, apesar dos cadáveres<br /> no topo de uma mesa<br /> com um bolo à frente<br /> enfeitado de velas<br /> e um rebanho de ovelhas a balir desafinadas<br /> (porque nunca se cantam parabéns afinados)<br /> a bater os casquinhos no fim<br /> por mais um ano de morte viva. <br /> Sabem lá vocês…<br /> o que é roer cadeia.<br /> Só homens<br /> tudo ao monte<br /> tudo áspero<br /> como uma barda de dois dias<br /> lençóis de pano cru<br /> as mãos de um trolha…<br /> que na cadeia não há cremes<br /> nem sabonete líquido<br /> (sabonete líquido é outra coisa)<br /> há sabão <br /> duro<br /> cheio de pêlos<br /> escorregadio<br /> como as enguias que<br /> mal damos por elas<br /> - Pst!<br /> mal damos por elas<br /> - Apanha aí.<br /> e o jeito é só um. <br /> Sabem lá vocês o que é amar a Deus de cu para o ar!<br /> Um azar na vida. Um copo a mais, uma discussão fora de horas, um estalo sem memória, uma força mal medida e<br /> - …matou a mulher… Era passar o resto da vida lá dentro!<br /> Um cadáver no chão, um fio de sangue no tapete branco da sala, na quina da mesa de mármore…<br /> Tantas vezes que a Zaida<br /> - Cuidado com tapete, Zé Pedro!<br /> - Ainda hás-de sujar o tapete, Zé Pedro!<br /> - O tapete, Zé Pedro!<br /> Tantas vezes que a Zaida<br /> - … Zé Pedro!<br /> mais a porcaria do tapete. Tantas vezes que…<br /> um copo fora de horas <br /> estalo mal medido<br /> azar <br /> uma discussão sem memória <br /> força a mais<br /> e a vida<br /> um fio de sangue no tapete branco da sala<br /> que o apelido da Vida é Ironia do Caralho.<br /> Tantas vezes que a Zaida <br /> - É só mulheres!<br /> desconfiada<br /> com razão<br /> desconfiada, ainda assim<br /> - É só mulheres!<br /> a Zaida <br /> mal poderia imaginar que agora<br /> o apelido da vida<br /> só homens<br /> tudo ao monte<br /> tudo áspero<br /> como uma barda de dois dias<br /> lençóis de pano cru<br /> as mãos de um trolha…<br /> que na cadeia não há cremes<br /> nem sabonete líquido<br /> (sabonete líquido é outra coisa)<br /> há sabão <br /> duro<br /> cheio de pêlos<br /> escorregadio<br /> como as enguias que<br /> mal damos por elas<br /> - Pst!<br /> mal damos por elas<br /> - Apanha aí.<br /> e o jeito é só um. <br /> Sabem lá vocês o que é amar a Deus de cu para o ar!<br /> - É só mulheres!<br /> a Zaida <br /> - É só mulheres!<br /> É só mulheres!?<br /> O último apelido da vida é que é só mulheres!<br /> Só homens!<br /> Só homens, Zaida!<br /> Só homens…<br /> Tudo ao monte<br /> tudo áspero<br /> como uma barda de dois dias<br /> lençóis de pano cru<br /> as mãos de um trolha<br /> que<br /> mal damos por elas<br /> - Pst!<br /> mal damos por elas<br /> - Apanha aí.<br /> Ironia do Caralho<br /> é esse o apelido da vida<br /> vida que<br /> nem sempre termina na morte<br /> como a da Zaida<br /> um fio de sangue<br /> na minha cabeça para o resto dos meus dias<br /> um fio de sangue<br /> e uma vontade de gritar<br /> - Cuidado com o tapete!<br /> Sempre que um fio do sangue<br /> do nariz<br /> do canto da boca<br /> de entre as pernas, no primeiro dia em que <br /> - Pst!<br /> uma vontade de gritar<br /> no primeiro dia em que<br /> - Apanha aí.<br /> uma vontade de gritar<br /> que na cadeia não há cremes<br /> nem sabonete líquido<br /> …<br /> sabão duro<br /> cheio de pêlos<br /> escorregadio <br /> como o chão da sala<br /> apesar do tapete<br /> onde a Zaida<br /> - … Zé Pedro!<br /> um fio de sangue<br /> para o resto dos meus dias<br /> que oito anos, ou o resto da vida, vai dar no mesmo<br /> como vai dar no mesmo<br /> Vida, ou Ironia do Caralho.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-10151137641997808472009-09-01T22:58:00.000-07:002009-09-01T23:00:18.627-07:00Amor em comaHoje, à saída do hospital, quando demos as mãos, senti-me como o teu pai, que acabávamos de visitar<br /> (porque parecia mal não o visitarmos)<br /> embora ele, nem ali para nós<br /> para a vida<br /> para coisíssima nenhuma<br /> (como sempre se queixou a tua mãe)<br /> ligado ao ventilador<br /> em coma profundo<br /> esperança alguma<br /> (pois quem está morto não tem esperança)<br /> apesar do ventilador garantir<br /> - Garanto!<br /> a insuflar<br /> a desinsuflar<br /> - Garanto!<br /> estar vivo. <br /> Hoje<br /> à saída do hospital<br /> quando demos as mãos<br /> (não sei que mão procurou que mão)<br /> (se ambas)<br /> (sequer se foi uma mão aquilo que procurou aquilo que procurou a mão)<br /> (ou ambas)<br /> hoje<br /> quando demos as mãos <br /> senti que não nos… qualquer coisa… há muito tempo<br /> o amor em coma<br /> esperança alguma<br /> porque o que está morto<br /> como quem está morto<br /> não tem esperança<br /> apesar do ventilador<br /> das mãos<br /> a insuflar(em)<br /> a desinsuflar(em)<br /> dois sapos húmidos, corações esverdeados pelo bolor dos dias<br /> feitos o do teu pai que <br /> de repente<br /> rebentou com um cigarro na boca<br /> pum<br /> morto<br /> como quando em criança no quintal da tia Amélia com o Jorge e o Fernando<br /> - Abre-lhe a boca, pá!<br /> ao coração<br /> ao sapo <br /> - Abre-lhe a boca, pá!<br /> um cigarro<br /> conquistado às escondidas numa gaveta da sala<br /> e era vê-lo insuflar<br /> insuflar<br /> insuflar<br /> como o coração do teu pai<br /> pum<br /> morto<br /> como o nosso amor<br /> (se é que algum dia)<br /> amor<br /> pum<br /> morto<br /> apesar do ventilador<br /> arreliado, já<br /> - Garanto! Já disse! Garanto!<br /> estar vivo<br /> morto<br /> a ganhar cheiro<br /> como uma casca de banana que nos caiu da mão para trás do sofá num serão qualquer, algures no tempo, e por lá ficou<br /> a ganhar cheiro<br /> apodrecendo num canto<br /> como o teu pai.<br /> Hoje<br /> à saída do hospital<br /> quando demos as mãos<br /> (ou estas se deram)<br /> uma sensação<br /> qualquer coisa<br /> uma sensação<br /> em jeito de quem acordasse de um coma profundo<br /> como se a tua mão<br /> a minha mão<br /> pás eléctricas de um desfibrilhador <br /> num choque violento, ao menor contacto, arrancando-me, por instantes, ao coma, trazendo-me à cabeça<br /> ao coração<br /> à cabeça<br /> a qualquer coisa<br /> um sofá<br /> algures no tempo<br /> há muito tempo<br /> uma casca de banana a cair-nos da mão. <br /> Demos as mãos. Não demos mais nada. E seguimos de mão dada, calados, que faz muito tempo dissemos tudo. <br /> Seguimos<br /> calados<br /> faz muito tempo<br /> dissemos tudo<br /> e por isso<br /> não demos mais nada<br /> e seguimos<br /> calados<br /> cada qual na sua vida privada<br /> como quando nos juntamos para a cópula a que depois de eu me vir chamamos amor<br /> mas amor nenhum<br /> casca de banana apodrecida atrás do sofá<br /> amor nenhum<br /> vida nenhuma no teu pai<br /> apesar do ventilador garantir<br /> - Garanto!<br /> a insuflar<br /> a desinsuflar<br /> - Garanto!<br /> arreliado, já<br /> - Garanto! Já disse! Garanto!<br /> estar vivo. <br /> Do mesmo modo que garantiria estar vivo o nosso amor só porque uma descarga de mãos nos fez estremecer o miocárdio<br /> (acho que a ti também).<br /> Mas não. Amor nenhum, vida nenhuma<br /> casca de banana, apenas <br /> apodrecida <br /> atrás do sofá <br /> pois uma descarga eléctrica não significa nada<br /> como um dar as mãos<br /> uns lábios mortos que encostamos por encostar quando nos juntamos para a cópula a que depois de eu…<br /> não significa nada.<br /> Uma descarga eléctrica. O que é que tem de especial? Uma descarga eléctrica<br /> um formigueiro <br /> é isso<br /> um formigueiro que nos engana<br /> nos ilude os sentidos<br /> nos faz crer que o nosso amor <br /> (o nosso amor!? <br /> que seja!)<br /> nos faz crer que o nosso amor <br /> ainda vivo<br /> como o teu pai<br /> ligado às máquinas<br /> por certo um formigueiro igual<br /> mas vida nenhuma<br /> uma questão de dias<br /> (que a vida não é senão uma questão de dias)<br /> mais dia, menos dia<br /> pum<br /> como um sapo de cigarro na boca<br /> - Abre-lhe a boca, pá!<br /> igual a<br /> - Garanto!<br /> e nem o teu pai<br /> nem o sapo do quintal da tia Amélia<br /> nem o nosso amor<br /> (que seja!)<br /> nem o nosso amor<br /> vida alguma, já <br /> que insuflar e desinsuflar não basta para estar vivo.<br /> E seguimos<br /> calados<br /> faz muito tempo dissemos tudo<br /> mãos dadas<br /> cada qual na sua vida privada<br /> como quando nos juntamos para a cópula<br /> calados<br /> passeio afora<br /> a provocar inveja nos casais separados<br /> a inveja do moribundo diante do doente terminal que se move ainda pelo próprio pé<br /> pelas próprias mãos<br /> terminal<br /> apesar do ventilador<br /> das mãos<br /> terminal<br /> apesar da inveja<br /> casais como nós (ausentes de mãos) invejosos de nós, como nós<br /> (acho que tu também)<br /> invejosos de casais como nós<br /> porque todos os casais<br /> mais cedo ou mais tarde<br /> como a morte<br /> (uma questão de dias)<br /> como nós.<br /> E nisto<br /> no olhar invejoso dos passantes<br /> (ou eu a querer que<br /> (olhar invejoso dos passantes)<br /> nisto<br /> no passamento que é tudo<br /> um frio a surgir do nada<br /> um medo<br /> a lembrança do teu pai<br /> do sapo no quintal da tia Amélia<br /> a insuflar<br /> já morto<br /> a insuflar no entanto<br /> como o nosso amor<br /> (que seja)<br /> já morto<br /> um medo<br /> um frio a surgir do nada<br /> um azedume na boca<br /> como se a boca um sapo insuflando a morte<br /> um cigarro que nunca acendi<br /> (nunca)<br /> porque medo de<br /> pum<br /> medo<br /> mais do que medo<br /> qualquer coisa que as palavras não alcançam<br /> um frio a surgir do nada<br /> a apertar um pouco a mão<br /> não eu<br /> o medo<br /> numa massagem cardíaca à altura da anca<br /> num desespero<br /> qualquer coisa que as palavras não alcançam<br /> (pode ser medo)<br /> a apertar um pouco<br /> a mão<br /> (acho que tu também<br /> ou eu a querer que tu também)<br /> um pouco a mão<br /> um reflexo<br /> capaz que reflexo<br /> não bem um movimento<br /> uma intencionalidade<br /> um reflexo<br /> como o miocárdio do teu pai<br /> o último pulsar do sapo antes de rebentar <br /> as melhoras da morte <br /> a gerar em nós<br /> (acho que em ti também<br /> ou eu a querer que em ti também)<br /> qualquer coisa próxima da esperança<br /> da vida<br /> nem uma coisa nem outra<br /> apenas qualquer coisa próxima<br /> um reflexo de vida<br /> nada a ver com vida<br /> um reflexo apenas <br /> alguma coisa comparável a um ventilador, a garantir-nos<br /> - Garanto!<br /> ainda estarmos vivos.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-56263070860437274482009-04-30T15:16:00.000-07:002009-04-30T15:17:57.349-07:00Diálogo Monológico- Estou? <br /> - Sou eu.<br /> - Então se sabes que sou eu podias pelo menos fingir e ser simpático!<br /> - Não, não estou a começar, André. Infelizmente!<br /> - O que eu quero é saber como é que é logo. Ficaste de me dizer qualquer coisa, lembras-te?!<br /> - Estás sempre muito ocupado. Só os outros é que não fazem nada.<br /> - Que humor é que queres que eu tenha, André? Estive a tarde toda à espera que me ligasses para combinarmos as coisas. Não me posso comprometer com as pessoas sem saber como é que é contigo, e tu, nem ai nem ui. E ainda tens o desplante de me dizer, com um arzinho todo calmo, que estou com um “humozinho que vai lá vai”. <br /> - Pelo amor de Deus, André! Agora digo-te eu, não comeces. Como é que é afinal?<br /> - Ó André, caramba! Como é que é o quê? Vamos ou não vamos?<br /> - Ainda tens de ver? É que só podes estar a brincar comigo! <br /> - Se tu te lembrasses é que eu me admirava.<br /> - E quando é que sabes? <br /> - Daqui a uma hora!<br /> - Eu disse à Sónia que o mais tardar às quatro horas lhe dizia alguma coisa. São três e meia. <br /> - Então se está bem, vamos, porque é que é que disseste que só daqui a uma hora é que sabias?<br /> - E agora já não precisas de falar com o Director? <br /> - Vê lá, não arranjes problemas por causa de mim!<br /> - Não, não estou a ser chata, André! Tu é que te esqueces das coisas que combinas comigo e depois e vens com desculpazinhas esfarrapadas, como os miúdos. <br /> - Vá, esquece! Não vale a pena estar agora a discutir isso. Há-de ser sempre a mesma coisa!<br /> - Como é que é, apanhas o Ruben e deixa-lo na tua mãe?<br /> - Ó André, sabes perfeitamente que estou sem carro.<br /> - Não te lembraste? Novidade!<br /> - Sai às cinco. Nem sequer sabes a que hora a que o teu filho sai do colégio!<br /> - Não estou a pegar por tudo e por nada, André. Agora se tu achas que estares-te nas tintas para tudo o que não tenha a ver directamente contigo é normal, então se calar estou a pegar por tudo e por nada.<br /> - Claro, falamos depois! Contigo é sempre depois!<br /> - Sim, vá, não interessa. Apanha mas é o teu filho e deixa-o na tua mãe. Ah, e avisa-a que ele dorme lá hoje. Mas não te esqueças, senão já sabes como é. <br /> - Como é quê? Parece tu que não sabes como é! Ah que Deus que nunca me dizem para onde vão, quando é que vêm, e fica aqui o menino, e não sei se o deito, se espero por vocês. Ninguém se preocupa comigo; só sirvo para tapar buracos… nhanhanha nhanhanha…<br /> - Oh! Não é verdade, queres ver?<br /> - Ó André, não estou nada em dia não. Que maçada!<br /> - É mentira o que eu disse? Parece que não conheces a tua mãe.<br /> - Pronto! Mas eu disse que a minha é melhor? Quem parece que está a querer embirrar és tu. <br /> - Claro! Não fosse sempre eu a começar! Eu disse apenas para deixares o Ruben na tua mãe e para a avisares de que o neto dela dorme lá hoje, mais nada.<br /> - O que eu disse foi que, se não lhe dizes ela fica preocupada. <br /> - Pronto, não foi isso que eu disse. Esquece. Tens razão.<br /> - Sim, sim… Se não tivesses é que eu me admirava!<br /> - Bem, esquece lá isso. Avisa-a, é só o que eu te peço. Ah, e já agora, se não for abusar muito do meu marido, passa na lavandaria e apanha-me o vestido que lá deixei.<br /> - É nas amoreiras. Conheces outra?<br /> - Sim, no centro comercial.<br /> - Não, não precisas de nenhum talão. Diz que é para mim, elas sabem. <br /> - Não, não quero mais nada. A não ser que me apanhes às seis. <br /> - Espero lá em baixo. <br /> - Mas custa-te muito dar a volta? Não vens de carro?<br /> - Oh!<br /> - Toda a gente sai daqui, só para ti é que é muito trânsito. <br /> - É só porque estou carregada. Tenho uma caixa de dossiers, a pasta, a mala, o portátil… Se achas que são só dois passinhos com isto tudo às costas. <br /> - Mas se te custar muito, diz, que eu apanho um táxi. Vê lá, não apanhes um esgotamento nervoso no trânsito por minha causa. <br /> - É em Cascais. <br /> - Eu já tinha-te dito, André. <br /> - Que culpa tenho eu que a Sónia e o Marcelo vivam em Cascais, que seja hora de ponta, sexta-feira e esteja tudo a sair de Lisboa? <br /> - Olha, se é para isto, mais vale dizeres de uma vez que não queres ir. <br /> - Parece! São só complicações! <br /> -Pronto, está bem.<br /> - Então vá. <br /> - Sim, às seis.<br /> - Até logo.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-13574620988906096882009-04-30T15:12:00.000-07:002009-04-30T15:16:44.880-07:00ReflexoE a vir-me à memória, nós<br /> agora que te foste embora<br /> nós na roulotte do teu tio<br /> nós em Armação de Pêra<br /> nós na casa de campo do Paulo e da Marta<br /> nós na Arrifana<br /> nós no banco de trás do carro dos meus pais<br /> como a Anita no Jardim Zoológico<br /> a Anita no Parque<br /> a Anita na Floresta<br /> nós <br /> a vir-me à memória, nós<br /> agora que te foste embora<br /> porque de repente<br /> ou eu a achar que de repente<br /> (agora que te foste embora)<br /> os meus olhos no teu espelho<br /> à procura de restos de ti<br /> uma sombra<br /> uma ponta de cabelo<br /> um resto de brilho dos teus olhos, que tantas horas ali pousaram<br /> (que o espelho é o poleiro dos olhos)<br /> tristes<br /> tantas horas ali<br /> interrogativos<br /> à procura de ti<br /> como eu agora que te foste embora<br /> à procura de ti<br /> um resto<br /> alguma coisa esquecida<br /> (tu que eras tão distraída…)<br /> alguma coisa te há-de ter ficado para trás<br /> alguma coisa deves ter esquecido entre um retoque de batom e uma escovadela de rímel…<br /> alguma coisa…<br /> desespero<br /> (não o substantivo, o verbo)<br /> desespero<br /> alguma coisa<br /> mas nada<br /> apenas eu<br /> o mesmo que nada<br /> a minha cara transtornada pela tua ausência.<br /> Onde será que os espelhos guardam os reflexos?<br /> Pergunto-lhe, aos gritos<br /> desgraçado<br /> desespero<br /> (… o verbo)<br /> desespero<br /> arranco-o da parede, chocalho-o, louco…<br /> tens de cair<br /> tens de cair<br /> tens de cair<br /> alguma coisa tua<br /> uma sombra<br /> uma ponta de cabelo<br /> um resto de brilho dos teus olhos…<br /> Por Deus, alguma coisa!<br /> um resto<br /> um sinal de ti. <br /> Mas nada de coisa nenhuma<br /> apenas eu<br /> o mesmo que nada <br /> a minha cara transtornada pela tua ausência.<br /> Onde será que os espelhos guardam os reflexos?<br /> pergunto<br /> aos gritos<br /> atirando-o ao chão<br /> desgraçado<br /> num revolver de cacos<br /> sou mil pedaços, agora<br /> que te foste embora<br /> mil pedaços<br /> mil nadas<br /> mil caras transtornadas pela tua ausência<br /> espalhados<br /> dentro<br /> fora de mim<br /> as caras, os cacos<br /> transtornados<br /> fora de si<br /> dentro<br /> fora de mim<br /> louco<br /> os dedos em sangue e…<br /> nada<br /> agora que te foste embora<br /> apenas eu<br /> o mesmo que nada<br /> em mil pedaços.<br /> Não creio em superstições absurdas: sete anos de azar. Sem ti, a vida toda. Não me chegaria a vida toda a partir espelhos para cobrir o azar que é não ter-te<br /> alguma coisa tua<br /> uma sombra<br /> uma ponta de cabelo<br /> um resto de brilho dos teus olhos…<br /> alguma coisa tua…<br /> Por Deus, alguma coisa!<br /> um resto<br /> um sinal de ti<br /> alguma coisa esquecida<br /> (tu que eras tão distraída…)<br /> alguma coisa te há-de ter ficado para trás<br /> alguma coisa deves ter esquecido entre um retoque de batom e uma escovadela de rímel…<br /> alguma coisa<br /> alguma coisa<br /> …<br /> Sete anos de azar? Quem dera sete anos de azar e depois<br /> tu<br /> alguma coisa tua de volta ao espelho<br /> (a outro espelho)<br /> uma sombra<br /> uma ponta de cabelo<br /> um resto de brilho dos teus olhos…<br /> Os dedos em sangue, mas de ti…<br /> nem sombra. <br /> Sete anos de azar<br /> sete anos de desespero<br /> (o substantivo, agora)<br /> sete anos no meio dos cacos<br /> sete anos na merda<br /> sete anos no Tibete…<br /> como a Anita no circo<br /> a Anita no Ballet <br /> a Anita na cozinha<br /> uma espécie de penitência: sete anos da tua ausência; sete anões<br /> ou lá como se diz anos grandes!<br /> Sete anos. O que são sete anos!? Azar é não encontrar-te aqui, onde sei que estás<br /> porque sei que estás<br /> tens de estar<br /> alguma coisa te há-de ter ficado para trás <br /> que os reflexos, como os espíritos, não desaparecem da noite para o dia <br /> alguma coisa<br /> no meio dos cacos<br /> mil lamelas de vidro salpicadas de sangue sob o meu olhar microscópico na procura de ti<br /> caco a caco<br /> dia a dia<br /> (reflexo estilhaçado da nossa existência).<br /> Eu sei que estás<br /> ainda há cacos<br /> de espelho<br /> de mim<br /> de nós<br /> eu sei que estás<br /> ainda há cacos<br />e enquanto há cacos há esperança.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-81474530420762476602009-04-01T13:20:00.000-07:002009-04-01T13:21:17.870-07:00Quando estamos carentes…A Ana, nua, é uma mulher com movimentos de gata. Estica-se, rebola, ronrona e entrega-se num abandono manso que as palavras que conheço me não bastam para o explicar. Ana tem vinte e nove anos e quando não está na cama comigo preocupa-se com a idade. Não é muito bonita, tem sardas no peito magro, dedos compridos, púbis negra, ligada ao umbigo por um carreiro de penugem descolorada. Podia dizer que Ana é esguia, mas já lhe referi os dedos e a magreza do peito. Se não refiro mais é, talvez, porque Ana seja apenas isto. Insisto: se não refiro mais… apenas isto. <br /> Embora pudesse encher a página com coisas de Ana… não o faço. Isto apenas me basta. E a quem lê… a quem lê tanto lhe dá, e mais espaço fica para compor como for. De Ana apenas mais três coisas: casada, mãe de um filho e minha amante. <br /> Conhecemo-nos pela Internet. Facilitador de emoções e conversas<br /> bonequinhos amarelos que falam por nós; uma flor, um “lol” e <br /> um encontro na Sé<br /> cafezinho discreto… <br /> - Parece que nos conhecemos há muito tempo, já!<br /> a Ana a dizer e eu a concordar. <br /> Quando estamos carentes sentimos afinidade com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua que nos devolve o olhar e logo<br /> - Parece que nos conhecemos há muito tempo, já!<br /> E apesar de o saber <br /> quando a Ana<br /> - Parece que nos conhecemos há muito tempo, já!<br /> eu a concordar<br /> porque discordar é adiantar conversa e conversa não adianta nada.<br /> De modo que<br /> <br /> qualquer coisa que a Ana<br /> - …, não achas?<br /> eu<br /> (que talvez nem achasse)<br /> - Sem dúvida! <br /> Porque quando estamos carentes concordamos com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua que nos devolve o olhar e logo<br /> - Sem dúvida! <br /> e daí a um encontro na Sé<br /> cafezinho discreto<br /> um pulinho<br /> como dali para a minha cama<br /> onde a Ana <br /> nua<br /> movimentos de gata <br /> entregando-se <br /> num abandono manso que as palavras que conheço me não bastam para o explicar<br /> a garantir que<br /> - Nunca tinha sentido isto antes. <br /> Porque quando estamos carentes somos compatíveis na cama com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na almofada que nos devolve o olhar e logo<br /> - Nunca tinha sentido isto antes. <br /> porque quando estamos carentes a memória é uma coisa difusa, um suspiro de açúcar que engana a fome. Daí que<br /> - Nunca tinha sentido isto antes. <br /> e um olhar, um sorriso, um gesto parvo, uma carantonha, uma gargalhada, um abraço rebolado em lençóis adolescentes<br /> e<br /> - És tão parvo!<br /> - … tão parva!<br /> Porque quando estamos carentes achamos graça a um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na dobra do lençol que nos devolve o olhar e logo<br /> - És tão parvo!<br /> - … tão parva!<br /> em gargalhadas com vontade de infinito, porque nos sentimos apaixonados, já<br /> tão certos, já, de que<br /> - Acho que estou apaixonado…<br /> - … apaixonada por ti!<br /> Porque quando estamos carentes apaixonamo-nos por um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua, na almofada, na dobra do lençol, que nos devolve o olhar e logo<br /> - Amo-te!<br /> prenhes de força, capazes de tudo<br /> seguros da correspondência exacta entre o sentimento e a expressão<br /> - Amo-te! <br /> Porque quando estamos carentes amamos um número muito maior de gente. Olhamos para alguém no ecrã, que nos devolve um bonequinho amarelo, uma flor… e<br /> - Amo-te! <br /> “lol”<br /> com a mesma facilidade com que<br /> - Podemos encontrar-nos na Sé.<br /> cafezinho discreto<br /> e <br /> num pulinho<br /> movimentos de gata<br /> sardas no peito magro, dedos compridos, púbis negra, ligada ao umbigo por um carreiro de penugem descolorada. <br /> Não custa nada<br /> um bonequinho amarelo, uma flor, um “lol”<br /> e…<br /> - Parece que nos conhecemos há muito tempo, já! <br /> Afinal, quando estamos carentes sentimos afinidade com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua que nos devolve o olhar e logo <br /> - Parece que nos conhecemos!?<br /> - Há muito tempo, já!Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-66973649899097789242009-04-01T13:18:00.000-07:002009-04-01T13:19:51.208-07:00Dez cêntimos- Olhe, desculpe! Eu sou do Barreiro e fui assaltado. Vim aqui à Loja do Cidadão tratar do bilhete de identidade<br /> que vou para Espanha trabalhar daqui a duas semanas<br /> o cunhado de um primo meu, que vive na Suiça, tem um restaurante em Sevilha e arranjou-me lá trabalho<br /> e como o B.I. estava quase a caducar, vim aqui tratar disso <br /> que lá no Barreiro demora muito mais tempo.<br /> Mas enganei-me na saída do metro<br /> que eu não conheço muito bem Lisboa<br /> e saí ali no Martim Moniz.<br /> Andei às voltas, às voltas a ver se dava com isto, até que lá me resolvi a perguntar alguém.<br /> Olhe, foi a minha desgraça!<br /> Três tipos disseram-me que também iam para lá<br /> marroquinos, ou não sei<br /> que tinham de tratar de uns papeis e que se quisesse podia ri com eles.<br /> Na minha boa fé lá fui. <br /> Se eu soubesse!<br /> Meteram-se por umas ruas estreitas e depois lá por uns becos…<br /> e eu a achar aquilo esquisito <br /> até que às tantas, viraram-se a mim e, olhe<br /> marcaram-me todo<br /> tenho aqui na perna, no braço…<br /> E agora estou desesperado. <br /> Roubaram-me tudo.<br /> Até o telemóvel.<br /> Que senão ligava ao meu cunhado<br /> que ele trabalha ali para o Prior Velho, ou Sete Rios, ou o que é que é<br /> e ele vinha-me buscar<br /> mas nem sei o número de cor<br /> que uma pessoa agora habitua-se a guardar tudo no telemóvel.<br /> Sacanas!<br /> Ainda para mais a minha sobrinha faz anos hoje.<br /> Dois aninhos!<br /> Olhe, tinha uma fotografia dela na carteia. Até lha mostrava. Mariana. Chama-se mariana. E eu… olhe<br /> estou todo dorido, minha senhora. E tenho a roupa toda suja, até me rasgaram o casaco<br /> Sacanas, pá!<br /> Estes não apanha a polícia. Tá quéto! Agora e fosse eu, ou a senhora… <br /> Eu ainda pensei ir à polícia! Mas neste estado? Iam mesmo acreditar em mim. Tenho umas dores neste braço que nem imagina, minha senhora.<br /> Até tenho vergonha de estar aqui a incomodar as pessoas. Ainda hão-de pensar que é para droga. E neste estado. Eu pensava o mesmo! Mas não é minha senhora. Juro que não é. Pela saúde da minha sobrinha, que é coisa que mais amo nesta vida.<br /> Mas estou desesperado. Estou aqui há mais de uma hora para arranjar isto, minha senhora: um euro e meio. Mas neste estado quem é que me ajuda? Se a senhora pudesse. São só dez cêntimos que me faltam, minha senhora. Dez cêntimos para o bilhete.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-61631158782350411502009-04-01T13:17:00.000-07:002009-04-01T13:18:35.201-07:00GinaGina<br /> (já de si o nome é mau)<br /> trabalhava a dias em casas particulares e a noites<br /> (fins-de-semana apenas)<br /> em casas… particularmente.<br /> Cinjamo-nos ao que importa: a dias em casas particulares. Dois filhos: Berta e Lucas. Ambos mulatos<br /> de pais diferentes <br /> e ela<br /> Gina<br /> (já de si o nome…)<br /> branquinha como um cadáver exangue. E como um cadáver, magra; peito nenhum. O rosto… nada de especial<br /> aliás <br /> (para vinte e sete anos)<br /> muito mal tratadinho. <br /> Numa orelha, nem um furo, na outra, uma colecção de argolas, aranhas, meias-luas, o diabo…<br /> Calças de ganga ruças<br /> sempre…<br /> minto<br /> quase sempre ruças. <br /> Ténis grandes, tipo bota, e t-shirt branca com qualquer coisa estampada<br /> sempre…<br /> minto<br /> quase sempre estampada<br /> letras, figuras, abstracções, o diabo…<br /> Perfume? Desodorizante, talvez. É capaz que, desodorizante. Agora que penso nisso, é capaz que, desodorizante<br /> capaz de jurar que desodorizante. <br /> Olhos baços. Apenas para enfeitar o rosto.<br /> Gina<br /> a dias<br /> a noites <br /> (fins-de-semana apenas)<br /> … particularmente.<br /> Berta e Lucas<br /> pais diferentes<br /> ambos pretos<br /> mulatos os filhos<br /> a garantir que <br /> (ainda que se não possa provar) <br /> Gina<br /> (já de si o nome é mau)<br /> um gosto especial pelo exótico<br /> (exótico para nós, caucasianos descoloridos)<br /> diria.<br /> Fazia dias <br /> (noites… <br /> …particularmente)<br /> que não aparecia pelo bairro. Os filhos<br /> Berta e Lucas<br /> ambos mulatos<br /> de pais diferentes<br /> de pais ausentes <br /> dois dias em casa, fechados à fome. <br /> Fazia dias <br /> (noites… <br /> …particularmente)<br /> Que<br /> Gina<br /> (já de si o nome é mau)<br /> que não aparecia<br /> até que a notícia<br /> no lugar das calças ruças<br /> da orelha intacta<br /> ao contrário dos braços, das pernas, das mãos…<br /> nem um furo<br /> a notícia a chegar primeiro que a colecção de argolas, aranhas, meias-luas, o diabo…<br /> a notícia<br /> num sprint de etíope esganado com fome <br /> a passar pelos ténis <br /> pela t-shirt <br /> qualquer coisa estampada<br /> letras, figuras, abstracções, o diabo…<br /> dispensando perfume…<br /> Desodorizante, talvez.<br /> A notícia<br /> num sprint de corcel pela encosta da Maria Pia<br /> nomeando os perigos do desporto equestre<br /> afirmando que quem se mete na equitação arrisca-se a cair do cavalo.Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-49998953903429583142009-03-02T15:37:00.000-08:002009-03-02T15:39:36.402-08:00AbracadabraNo dia em que o meu tio Américo se transformou num javali foi a loucura naquela casa. Eu não teria mais de quatro anos, mas recordo-me como se ontem. A princípio tive medo, claro, e não queria acreditar quando a mamã<br /> - É o tio Américo, filho.<br /> fazendo-lhe festas na cabeça de porco desgrenhado.<br /> - Não tenhas medo, tonto. <br /> como se fosse dizer<br /> - Não tenhas medo, tonto. <br /> o medo<br /> puf<br /> num passe de mágica<br /> igual ao tio Américo<br /> naquele almoço de domingo entre o arroz doce e o café<br /> - Senhoras e senhores, convosco, Péricles, o albatroz dos sete mares!<br /> e nisto<br /> puf<br /> um javali<br /> arrancando um abanão geral à plateia de familiares que, a aguardar por um penado mergulhão<br /> puf<br /> sai-lhes um foçador de trufas de capachinho à António Calvário. <br /> - Não vês que é o tio, palerma?! Olha lá para o cabelo.<br /> E de facto<br /> - … o cabelo<br /> o penteado<br /> risquinho ao lado entre o ruivo e o louro, a manter-se intacto. Assim como os olhos, pequenos e curiosos… iguais.<br /> - Não vês que é o tio, palerma?! Olha lá para o cabelo.<br /> e o capachinho<br /> a garantir-me que <br /> - … o tio…<br /> palerma<br /> - …o tio, palerma…<br /> o tio palerma<br /> o capachinho<br /> a descolar-me, aos poucos, das saias da mamã, que lhe arrancava grunhidos satisfeitos com a mão sobre o pêlo e a mim gargalhadas felizes. Também lhe quis fazer uma festa. Era o meu tio preferido. Não me levem a mal os outros, mas…<br /> o meu tio preferido.<br /> Fiz-lhe a festa<br /> (era quase do meu tamanho)<br /> arrancando-lhe um grunhido de contentamento<br /> um brilho nos olhos<br /> pequenos e curiosos…<br /> Quem não achou graça nenhuma foi a tia Zulinda, mulher do tio Américo, que<br /> - Isso não tem graça nenhuma, Américo!<br /> apesar das gargalhas de toda a gente.<br /> Mas o tio Américo parecia não estar nem ali para os amuos dela, passando o resto da tarde entre as pernas das cunhadas.<br /> - És um sacana, ó Américo! <br /> o meu tio Roberto, quando o irmão lhe começou a foçar as saias à Guidinha.<br /> - Já chega, Américo!<br /> mas não chegava. Não é todos os dias que um homem pode ser um porco dos sete costados e foçar sem pejo vontades antigas, como era o caso da tia Guidinha. <br /> - Ou paras imediatamente com isso… <br /> a tia Zulinda<br /> - … ou chateio-me a sério.<br /> na sentença mais alta que pôde a vozinha fraca que lhe ficou da pleurisia. <br /> - Ouviste o que eu disse, Américo?<br /> aumentando meio tom esforçado à reprimenda. <br /> E o tio Américo, que não podia responder, a levantar os olhos<br /> pequenos e curiosos<br /> a soltar um ronco<br /> incompreensível <br /> que a tia Zulinda entendeu como uma provocação, ou não teria ido à cozinha buscar a vassoura grande e varrê-lo ido para o quintal, deixando um silêncio fúnebre na sala. <br /> Nos olhos de todos se via brilhar a esperança de que o tio Américo entrasse a qualquer momento pela janela num voo picado de albatroz e aterrasse em cima da mesa, entre os restos do almoço, anunciando, envolto numa nuvem de fumo<br /> - Charã!<br /> o homem que sempre foi, arrancando gargalhadas e aplausos a todos e lágrimas de contentamento e fúria à tia Zulinda, antes de descer para a beijar e apertar-lhe a bochecha no seu clássico<br /> - Não custa nada, Dindinha!<br /> Mas o tio Américo não veio e, ao fim de uma hora, uma excursão de família foi à rua, para dar com ele deitado sobre o capacho à espera de misericórdia.<br /> O segundo grande silêncio formou-se, e nem o tio Sequeira que tinha sempre explicação para tudo se atreveu a abrir a boca. Pareciam começar a compreender que algo havia corrido mal naquele truque trocado, e que o tio Américo desta vez não seria capaz de desatar o nó górdio do feitiço. <br /> - Ai, valha-me Nossa Senhora!<br /> a tia Zulinda à beira do desmaio. <br /> O ambiente adensou-se. A consternação era geral e só eu parecia achar graça àquela brincadeira. A minha mãe segurou-me pelo ombro, puxando-me quando me tentei aproximar do tio para lhe passar a mão pelo penteado.<br /> Não estava a compreender. Uma hora atrás estavam todos divertidos e agora…<br /> - É o tio Américo...<br /> tive vontade de dizer<br /> - Não tenham medo, tontos.<br /> e quase me saiu<br /> - Não vêem que é o tio, palermas?! Olhem lá para o cabelo.<br /> mas um ronco interrompeu-me a intenção<br /> um ronco fraco, indecifrável, mas cuja impotência dos olhos<br /> pequenos e curiosos…<br /> faziam compreender que estava arrasado.<br /> Concordaram que talvez o tempo solucionasse ou remediasse a questão, e com dois cobertores fizeram-lhe uma cama na adega <br /> ao lado do lagar<br /> onde ainda em Setembro<br /> mosto até à cintura<br /> mosto que agora o afogaria<br /> que de gatas não se pisam uvas.<br /> Uma cama<br /> dois cobertores <br /> ao lado do lagar<br /> duas voltas à chave<br /> e a tarde a morrer baixinho<br /> num gemer doído<br /> a tarde<br /> o meu tio Américo<br /> mais do que a tarde<br /> capaz que <br /> mais do que a tarde<br /> o meu tio Américo<br /> baixinho<br /> num gemer doído de quem sofre dentro de uma virgem de ferro em forma de porco-montês. <br /> Eu não teria mais de quatro anos, mas recordo-me como se ontem<br /> afinal <br /> o meu tio preferido. Não me levem a mal os outros, mas…Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-70364662690290355472009-01-31T12:11:00.000-08:002009-01-31T12:12:23.382-08:00Já não sei como se começaJá não sei como se faz, como se beija, o que se diz depois do sexo. Já não sei como se chega a casa e diz aos pais<br /> ao meu pai<br /> - Pai, este é o…<br /> - … o meu novo namorado.<br /> Não sei quantos foram. Sei. Claro que sei. Uma mulher não esquece nunca o frio que sente depois das pernas fechadas, das portas fechadas.<br /> E depois aos meus amigos<br /> às minhas amigas<br /> mais do que aos meus amigos<br /> às minhas amigas<br /> - … este é …<br /> - … o Bernardo.<br /> - … o António.<br /> - … o Miguel.<br /> - … o Kuka.<br /> e o meu pai<br /> - Isso é lá nome de gente?!<br /> Porque para o meu pai nenhum homem é ideal para mim.<br /> E pelo visto tem razão.<br /> De modo que agora<br /> cinco anos depois <br /> três desde que terminou<br /> não sei como se chega a casa e se diz aos pais<br /> ao meu pai<br /> - Pai, este é o…<br /> - … o meu novo namorado.<br /> (Até porque já deixam de ser tão novos assim!)<br /> Brincadeira.<br /> Mas para além disso, muito antes disso tudo<br /> eu a não saber como se começa. <br /> Tudo de novo: música preferida, viagem de sonho, filme da minha vida, o livro que mais me fez chorar…<br /> (O meu diário se o leio).<br /> Quero um homem já feito<br /> sem perguntas<br /> sem dúvidas<br /> existenciais ou físicas.<br /> E não sei se o Roberto…<br /> (um amigo, ainda)<br /> não sei, dizia<br /> se o Roberto o é<br /> apesar de seguro<br /> aparentemente seguro<br /> que aquilo que me dá a parecer é que os homens nunca são seguros. Bóias insufláveis que vão perdendo o ar, e no fim, ainda temos de ser nós a arrastá-los para terra. De modo que <br /> não sei se o Roberto…<br /> apesar da sua aparência insuflada de dragão<br /> de crocodilo<br /> de orca<br /> das mil formas penduradas nas tendinhas da praia<br /> o homem que procuro.<br /> Procuro? <br /> Acho que o amor da minha vida<br /> (se é que há um amor da minha vida)<br /> já passou por mim. <br /> Não sei qual foi…<br /> Não sejas ridícula, Clara! Claro que sabes. Uma mulher não esquece nunca o frio que sente depois das pernas fechadas, das portas fechadas. Quando as noites ficam de repente maiores, intermináveis. O sono demora, como a felicidade que não chega por mais carneiros que se contem<br /> a felicidade não chega. A cama<br /> enorme<br /> coberta de Inverno, de um vento frio que se mete por debaixo dos lençóis, internando-se nos ossos, cobrindo-os de musgo…<br /> uma mulher não esquece nunca<br /> e é por isso que agora<br /> aos trinta e sete anos<br /> solteira, independente<br /> aparentemente forte, segura<br /> como o Roberto<br /> (um amigo, ainda)<br /> aparência insuflada <br /> dragão<br /> crocodilo<br /> orca<br /> mil formas penduradas nas tendinhas da praia…<br /> agora<br /> aos trinta e sete anos<br /> aparência só<br /> solteira, independente<br /> forte, segura<br /> aparência <br /> só<br /> a não saber já como se faz<br /> como se beija, o que se diz depois do sexo…<br /> como se chega a casa e diz aos pais<br /> ao meu pai<br /> - Este é o Roberto.<br /> aos meus amigos<br /> - Este é o Roberto.<br /> às minhas amigas<br /> mais do que aos meus amigos<br /> às minhas amigas<br /> - Este é o Roberto.<br /> às minhas amigas que vão dar gritinhos de felicidade por mim e quando eu<br /> à casa de banho<br /> a juntarem-se ao centro da mesa <br /> num concílio de comadres<br /> para se questionarem se <br /> - Será desta que ela desencalha?<br /> Cabras!<br /> O problema não é falarem, é ser verdade. Eu própria não tenho a certeza se o Roberto <br /> (um amigo, ainda)<br /> o tal homem já feito<br /> sem perguntas<br /> sem dúvidas<br /> existenciais ou físicas<br /> que procuro.<br /> Procuro? <br /> Não tenho a certeza.<br /> E os trinta e sete anos a baralharem-se as ideias, os sentimentos<br /> que a partir de certa idade deixamos de estar certas das nossas certezas. Nunca uma paixão é tão segura quanto aos doze anos, aos quinze anos, até mesmo aos dezoito o mundo não nos assusta porque tudo absoluto e seguro. <br /> Mas aos trinta e sete…<br /> Claro que gosto do Roberto!<br /> É inteligente, bem disposto<br /> uma excelente pessoa…<br /> E parece que ao dizer<br /> excelente pessoa<br /> uma sensação de não gostar assim tanto.<br /> É atencioso<br /> o Roberto<br /> faz-me rir <br /> sinto-me bem ao lado dele<br /> mas<br /> como é que se começa?<br /> Como é que se faz?<br /> Como é que se beija?<br /> O que é que se diz depois do sexo?<br /> Três anos sozinha. Não sei se já tinha dito.<br /> Ou melhor<br /> três anos sem ninguém<br /> que sozinha, creio, há muito mais. De modo que…<br /> não sei…<br /> como é que se chega a casa e diz aos pais<br /> ao meu pai<br /> - Pai, este é o…<br /> … Roberto… <br /> … um amigo. (?)<br /> Aos meus amigos<br /> -este é o…<br /> … Roberto… <br /> … um amigo. (?)<br /> às minhas amigas<br /> mais do que aos meus amigos<br /> às minhas amigas<br /> - Este é o Roberto… <br /> … um amigo. (?)<br /> Tenho trinta e sete anos…<br /> Um amigo?<br /> e quando eu<br /> à casa de banho…<br /> Cabras! <br /> E se no fim, o Roberto, mais uma bóia rota no mar inquieto da minha vida? Afinal, há um dia em que a bóia rebenta e por mais que lhe sopremos dentro, que apertemos o furo, com ambas as mãos, com ambos os braços, como ambas as pernas, como o corpo inteiro, o ar acabará por ir-se todo. <br /> E talvez seja esse o medo<br /> não de o Roberto não ser<br /> que talvez seja<br /> não o de começar<br /> o de não saber como se faz<br /> como se beija<br /> o que se diz depois do sexo<br /> que isso talvez saiba<br /> (uma mulher não esquece nunca)<br /> não o de chegar a casa <br /> - Pai, este é o Roberto, o meu novo namorado.<br /> junto dos amigos<br /> nem sequer das minhas amigas<br /> - Pessoal, este é o Roberto, o meu novo namorado.<br /> mas do dia em que tudo arrefece, o dia em que o Inverno se instala em nós, se mete por debaixo dos lençóis, internando-se nos ossos, cobrindo-os de musgo e por mais que as pernas se fechem, as portas se fechem, o calor, como o ar de uma bóia rota, acaba sempre por ir embora. Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-20357041274526341532009-01-31T12:08:00.000-08:002009-01-31T12:10:16.833-08:00Havia de ser comigo!O Luís a pedir-me desculpa<br /> que perdera a cabeça<br /> que não sabia o que lhe tinha dado<br /> que não tornaria a acontecer<br /> a jurar<br /> - Juro…<br /> que não sabia o que lhe tinha dado<br /> que<br /> - … não torna a acontecer!<br /> e eu<br /> eu que sempre dissera alto<br /> - Um homem a mim só me batia uma vez!<br /> que jurava<br /> - Denunciava-o à polícia!<br /> eu que <br /> quando a Catarina me contou que a Cármen <br /> - … levou uma sova do marido que até manca de uma perna.<br /> a garantir<br /> - Havia de ser comigo!<br /> eu<br /> no dia em que o Luís<br /> - Desculpa, Ana! Desculpa!<br /> eu<br /> a mesma eu <br /> a desculpar<br /> a não dizer nada a ninguém<br /> porque o Luís<br /> - Perdi a cabeça. Não sei o que me deu.<br /> porque o Luís<br /> - Juro que não torna a acontecer.<br /> porque o Luís<br /> - Juro!<br /> eu<br /> a mesma eu <br /> a desculpar<br /> a dar a outra face, ou a perder a legitimidade para a negar<br /> a dizer para mim mesma que era um bom marido, que sabia que não se iria repetir, que perdera de facto a cabeça, que o provocara…<br /> sim, que o provocara<br /> que quando quero <br /> eu sei<br /> sou provocadora<br /> a prová-lo, portanto<br /> a assumir parte da culpa<br /> do estalo<br /> dois dedos e meio<br /> polegar, indicador, meio anelar, a pertencerem-me…<br /> E quando a Catarina, umas semanas depois<br /> - A Cármen tornou a apanhar.<br /> eu<br /> silêncio<br /> -Ouviste o que eu disse?<br /> e eu que, perfeitamente<br /> a encolher os ombros<br /> a<br /> - Não quero saber mais dessa história.<br /> a não<br /> - Havia de ser comigo!<br /> e ao invés de<br /> - Havia de ser comigo!<br /> a<br /> - Não quero saber mais dessa história.<br /> porque o verbo mudara de tempo<br /> a encher-me de vergonha, como se algo o denunciasse em mim, nos meus gestos<br /> como se a minha face batida<br /> - Catarina! <br /> a encher-se de sangue e vergonha<br /> - Catarina! Olha…<br /> a denunciar-me e à minha cobardia.<br /> Por isso, quando a Catarina<br /> - O que é que te deu?<br /> eu<br /> direitinha à maquina do café <br /> cara baixa<br /> (nenhuma marca<br /> uma semana já<br /> nem no próprio dia<br /> mas)<br /> cara baixa<br /> maquina do café <br /> - É bem feito! Que é para não ser parva. Quem leva o primeiro estalo merece uma sova. E das grandes!<br /> a expurgar a minha frustração<br /> até que a Catarina<br /> - Calma!<br /> e eu<br /> calma<br /> a voltar para a secretária<br /> papéis e teclas<br /> papéis e teclas<br /> papéis e teclas<br /> até às quarto e meia<br /> papéis e teclas…<br /> Até àquele dia, o Luís… pouco a dizer. Uma discussão ou outra, o normal. Quem não tem? Mas as discussões são um prenúncio<br /> sei-o agora<br /> soube-o sempre<br /> um alerta, um sinal, um indicador de doença. São a febre que acusa uma inflamação escondida. E um dia a voz põe-se em bicos de pés, como se o volume legitimasse as opiniões, e sai o primeiro<br /> - Estúpida de merda!<br /> o primeiro<br /> - Estúpida de merda é a tua mãe!<br /> e daí ao primeiro estalo uma distância muito curta<br /> porque quando se deixam as conversas fermentar, azedam.<br /> e agora<br /> - Desculpa, Ana! Desculpa!<br /> - Perdi a cabeça. Não sei o que me deu.<br /> - Não torna a acontecer.<br /> - Juro!<br /> E eu a pensar<br /> o casamento, a casa, o carro, as contas…<br /> filhos ainda não, mas<br /> famílias à mistura e <br /> dizer o quê? <br /> - O Luís deu-me um estalo? <br /> O meu pai, a minha mãe, a minha irmã que<br /> tenho a certeza<br /> já apanhou do namorado<br /> um estúpido desocupado que lhe vive às custas<br /> a dizerem<br /> - Mas vais deixar tudo por causa disso?<br /> o meu pai que<br /> na minha mãe<br /> a minha mãe que<br /> do meu pai <br /> a minha irmã<br /> que<br /> tenho a certeza<br /> do namorado<br /> um estúpido desocupado<br /> todos<br /> a<br /> - Mas vais deixar tudo por causa disso?<br /> de modo que eu <br /> a desculpar<br /> porque o Luís<br /> - Desculpa, Ana! Desculpa!<br /> porque o Luís<br /> - Perdi a cabeça. Não sei o que me deu.<br /> porque o Luís<br /> - Não torna a acontecer.<br /> porque o Luís<br /> - Juro!<br /> E porque quem mais jura mais mente, quatro meses depois o Luís a perder a cabeça, a dar-me uma sova e a sair de casa sem <br /> - Desculpa, Ana! Desculpa!<br /> a voltar a casa sem pedir desculpa<br /> a não me dirigir a palavra para coisa nenhuma<br /> a dormir no sofá<br /> não porque eu<br /> - Aqui…<br /> (no quarto)<br /> - …não entras!<br /> Um dia, dois dias, três dias… e eu a penar “vou à minha vida. Isto não é nada.” A lembrar-me da Catarina<br /> - A Cármen tornou a apanhar.<br /> a ter-lhe raiva<br /> (que sabe ela da vida? Nunca teve uma relação. Namorados, mil. Mas uma relação? Que sabe ela da vida? Casa, carro, contas, família… Que sabe ela para falar assim dos outros?)<br /> E no meio dos pensamentos <br /> o meu pai<br /> a minha mãe<br /> a minha irmã<br /> - Mas vais deixar tudo por causa disso?<br /> A casa, o carro, as contas…<br /> filhos ainda não, mas<br /> famílias à mistura e <br /> mais isto<br /> mais aquilo<br /> que desculpas não faltam quando as queremos dar<br /> como<br /> esperar mais um dia<br /> até ao próximo Sábado<br /> a jurar que <br /> só até Sábado<br /> e Domingo e quarta e sexta e quinta e terça <br /> segunda após segunda<br /> e nunca mais era Sábado,<br /> nunca mais o Luís<br /> - Desculpa, Ana! Desculpa!<br /> - Perdi a cabeça. Não sei o que me deu.<br /> nunca mais o Luís<br /> - Não torna a acontecer.<br /> - Juro!<br /> nunca mais <br /> nem uma palavra.<br /> Nada!<br /> Mas porque haveria o Luís de me pedir perdão se eu própria não pedi?<br /> Se eu própria não…<br /> - Desculpa, Ana! Desculpa!<br /> Se eu própria não…<br /> - Perdi a cabeça. Não sei o que me deu.<br /> - Não torna a acontecer.<br /> - Juro!<br /> - Juro!<br /> - Juro!Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-70011826807659948772008-12-19T12:45:00.001-08:002008-12-19T12:52:16.918-08:00O fantasma da Madalena<span style="font-family:arial;">Conheci-a em cada da Edite<br /> festa de anos<br /> chamava-se Odete e<br /> como eu<br /> estava sozinha.<br /> A Edite, amiga de longa data<br /> (do tempo já da 5 de Outubro, quando o escritório ainda rejeitava clientes, por “excesso de trabalho”)<br /> sempre teve queda para padroeira do encalhados. De modo que<br /> a não me admirar <br /> se ela<br /> - Tens de conhecer o Óscar.<br /> falasse nestes termos à amiga<br /> … Odete.<br /> - Divorciado faz dois anos.<br /> (trabalhinho arranjado pela padroeira Edite)<br /> - Não tornou a ter ninguém.<br /> Um caso ou outro mal sucedido, que a Madalena nuca saiu por completo lá de casa<br /> ou de mim, quando eu lá em casa.<br /> (mas esta parte a Edite a omitir)<br /> apenas<br /> - Divorciado faz dois anos.<br /> e<br /> - Não tornou a ter ninguém.<br /> Pois o facto de a Madalena nunca (…) por completo… <br /> …lá de casa<br /> a fazer com que<br /> de cada vez que uma mulher no 3º esquerdo<br /> (não digo o número) <br /> da Rua de Arroios<br /> o fantasma da Madalena<br /> - É impressão minha ou cheira-me a puta!?<br /> e o amor<br /> ou a carência que o parece<br /> a sair gorado.<br /> Duas apenas, em dois anos<br /> uma por ano, numa análise estatística<br /> embora nenhuma mais de duas semanas, que o fantasma da Madalena<br /> (casada já, e com um filho que nunca lhe fui capaz)<br /> a ironizar de nariz torcido<br /> - É impressão minha ou cheira-me a puta!?<br /> Por isso, quando a Edite<br /> - É o Óscar. É a Odete.<br /> o meu estômago a ficar nervoso<br /> não por ela<br /> mas porque a história a tentar de novo<br /> e o fantasma da Madalena<br /> “Alerta” <br /> como um escuteirinho irritante<br /> a<br /> - É impressão minha ou…!? <br /> razão porque eu<br /> o meu estômago<br /> a ficar nervoso<br /> porque um homem<br /> se homem <br /> - Divorciado faz dois anos.<br /> não tem como<br /> - Não faz o meu género.<br /> pois dá logo vontade de perguntar<br /> - Ai não?! E que género é o teu?<br /> No fim de contas foi a Madalena quem<br /> - Quero o divórcio.<br /> a Madalena quem<br /> distante há muito<br /> um pé dentro, outro fora<br /> embora sempre<br /> - É impressão minha ou cheira-me a puta!?<br /> De maneira que <br /> se eu<br /> - Não faz o meu género.<br /> capaz de os narizes todos <br /> - Ai não?! <br /> a torcerem as ventas<br /> - E que género é o teu?<br /> Pelo que<br /> apesar do estômago nervoso<br /> a passar a noite na conversa com a Odete. Diferente de mim: dia e noite, preto e branco, cara e coroa… alegre, gordinha, gargalhadas de copos pela cristaleira abaixo, enfermeira em São José, solteira<br /> - … e boa rapariga.<br /> como achou graça dizê-lo.<br /> Toda ela clichés. Como eu todo clichés. Só que ela clichés alegres, gordinhos<br /> vidros em estilhaços<br /> e eu<br /> cinzento, gravata azul, camisa sem cor, como as cuecas velhas do papá no estendal da marquise em Sete-Rios.<br /> Mas a verdade é que<br /> nessa noite<br /> depois das velas e do champanhe<br /> (porque qualquer gasosa é champanhe)<br /> portanto<br /> depois das velas e do champanhe<br /> que o bolo a mim não me cai bem<br /> nessa noite…<br /> como hei-de dizer?<br /> a Odete que<br /> - Acho que já estou a ficar tonta!<br /> a pegar-me no braço e, entre marteladas na cristaleira, a garantir-me<br /> - Você é tão engraçado, Óscar!<br /> a fazer-me sentir na obrigação de<br /> - Trata-me por tu.<br /> como se lhe levasse a mão ao interior da blusa e lhe soltasse a mola do soutien que lhe oprimia o peito<br /> arrancando-lhe um suspiro<br /> - Acho uma óptima ideia! <br /> de maneira que<br /> ao despedir-me<br /> a Edite logo<br /> - E tu, Odete, como é que vais?<br /> puxando-me pela prontificação<br /> e antes de a Odete<br /> um táxi, ou coisa que o valha<br /> eu logo<br /> - Posso levá-la.<br /> que na opinião da Odete<br /> - … uma óptima ideia! <br /> Num chover de copos pela cristaleira abaixo.<br /> Há um mês que passa cá os fins-de-semana e já plantou uma escova no copinho da casa de banho. Ainda não é nada certo, mas há duas coisas que me fazem crer que é possível. Uma é a Odete não sair da cama a correr para ir lavar o amor ao bidé<br /> não me rejeitando<br /> não me expelindo de dentro dela para correnteza do Tejo<br /> como as outras<br /> a Madalena, talvez<br /> não me lembro se a Madalena <br /> depois de…<br /> a Madalena<br /> ou a torneira do bidé<br /> numa cumplicidade secreta<br /> para correnteza do Tejo<br /> como as outras duas<br /> que<br /> mal acabávamos<br /> - Vou só à casa de banho num instante. <br /> Agora a Madalena não me lembro.<br /> A verdade é que nunca um filho meu<br /> (e agora<br /> casada já, e com um filho que nunca lhe fui capaz)<br /> dois abortos espontâneos <br /> a própria palavra<br /> espontâneos <br /> a dizer tudo<br /> a rejeitar-me atrasadamente<br /> enquanto a Odete <br /> depois de nós (…)<br /> a ficar<br /> gargalhando alto<br /> por tudo e por nada um desastre de copos pela cristaleira abaixo<br /> - És tão engraçado, Óscar!<br /> a não sair da cama a correr <br /> a não<br /> - Vou só à casa de banho num instante. <br /> a achar tudo<br /> - … uma óptima ideia! <br /> a rir<br /> gordinha<br /> feliz. <br /> A outra coisa<br /> das duas que me fazem crer que é possível<br /> é o facto do fantasma da Madalena nunca mais<br /> - É impressão minha ou…!?<br /> uma pontinha de nariz<br /> de vez em quando<br /> torcido, é certo<br /> mas nunca mais<br /> - É impressão minha ou…!?<br /> assustado, é possível, pelo estilhaçar de copos da Odete <br /> que não acreditava em fantasmas nem em palermices e está cá <br /> parece-me<br /> para ficar<br /> o que eu<br /> de certa forma <br /> até acho<br /> - …uma óptima ideia! </span>Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-40495068647532467972008-12-19T12:44:00.000-08:002008-12-19T12:51:25.916-08:00Isto tá bonito, tá!<div align="justify"><span style="font-family:arial;">- Barda merda mais às criancinhas de África, pá! Até parece que aqui não há fome! Passei pouca, eu! Não nos quiseram de lá para fora? Atão agora desemerdem-se, amanhem-se sozinhos, olha o caralho! Ah, que Deus, que os portugueses assim, que os portugueses assado… Estão melhor agora, qués ver!? Olha, os meus velhos deixaram lá tudo! Três malas de roupa e nem uma cá chegou! <br /> Isto é mau, isto é mau, mas toda a merda cá vem parar! Isso é que eu sei! Se é mau, puta que os pariu, pá! Vão lá para a terra deles, ou o caralho! Temos de ajudar? Ó Calisto, foda-se! Eu sei o que é que estou a dizer, pá! Vim de Angola com uns calções, umas cuecas, umas meias, uns sapatos, uma camisa e um boné. Mas tás a brincar comigo ou quê? Eu sei o que estou a dizer, pá! Passei por elas!<br /> Ajuda? Mas tu achas o Estado português tá interessado em ajudar as ex-colónias, pá? O Estado só ajuda aqueles que o ajudam a ele! Ou tu achas que têm poucos interesses por lá? Hum? É petróleo, é diamantes, é ouro, é o caralho! Têm tudo, aqueles gajos, pá! Logo não ajuda merda nenhuma, pá! Olha lá o Soares, esse verbo-de-encher… não andava lá aos diamantes, mais o caralho do filho dele, aquele cara cu mal fodido? Olha, quando caiu o helicóptero, o que é que andavam por lá a cheirar? Às zebras para fazer passadeiras, qués ver? Conta-me histórias! Olha, havia de ter sido eu e ficava lá! Essa é outra, pá. Se for um pobre a ter uma dor de barriga, caga-se todo e ainda o fazem limpar o corredor das urgências. Agora um burguês? Até o lhe limpam o cu com a aba da bata.<br /> Só te dão um chouriço se lhes deres um porco. E tens de ser tu a matá-lo. É como os bancos, pá! Para te darem um tostão já tu lhes destes cinquenta. Ninguém te dá nada, pá! Agora, vou eu ajudar? Tá bem, tá! E quem é que ajuda a mim?<br /> A mim? Darem-me uma casa a mim? Uma pouca de merda é que me dão, pá! As casas são para os gajos das barracas, que não mexem uma palha e ainda recebem subsídio! Eu trabalho, pá! Tenho três filhos e a mulher desempregada! Pago quinhentos aerios de renda, ganho oitocentos: comer, água, luz, gás… e já foste. Não fosse a minha sogra a dar algum, andavam-me os putos a chuchar no dedo de manhã à noite para enganar a fome!<br /> Mata-se um gajo aqui a trabalhar para quê? Isto tá bom é para os ladrões, pá! Um gajo assalta um banco, no dia a seguir já tá cá fora. É uma maravilha! E quanto mais roubares melhor! Olha lá aquele cabrão do Benfica! Vê lá se ele não dorme descansado! Ligas a televisão e é só merda dessa! É políticos, é empresários, é advogados, é o caralho! Agora vai lá tu roubar um pão e vais ver a volta que levas! É a mesma merda que os impostos, pá! Não pagas a horas, tás fodido. Mas se for o Estado que te deva a ti, tas fodido na mesma! Mordes o esquema? Tás sempre fodido, é o que é, pá! E nem piu!<br /> Sabes o que é que eu te digo? Fazia cá falta era outro Salazar! Punha esta merda na linha que era um foguete!<br /> Com o ordenado que eu tenho vai lá tu pedir um crédito. Mandam-te ir apanhar no cu e ainda se riem na tua cara! Por isso, olha, quinhentos aerios todos os meses para as unhas da senhoria e uma casa minha, nem um tijolo! <br /> Mas depois vem o caralho dos ciganos e<br /> bumba<br /> toma lá uma casa nova, ó Tarota! <br /> E aqui o Chico, que se foda! Se quiser uma casa que a compre! Alomba que nem um burro, que até se amola, e quando vai ao banco perguntar como é que funcionam a coisas dos créditos, olham para um gajo de sobrancelhas em arco como que a dizer<br /> - Ó amigo, só de olhar para a sua camisa, digo-lhe já que isto tá mau de créditos! <br /> Olha que caralho, hem!<br /> E ainda por cima nunca estão satisfeitos, os cabrões dos ciganos! São como os porcos, deita-lhe palha limpa, mas vão-se é espojar na estrumeira! <br /> É uma merda, pá!<br /> Tudo aumenta, tudo aumenta, só o ordenado de um gajo é que parece a picha de um velho! Só quando é para caçar votos é que aparecem a prometer este mundo e a cabeça do outro. Foda-se! Vão pó caralho! Encostá-los à parede ainda era pouco! Mas os portugueses são muita burros, pá, graças a Deus! Já tínhamos feito uma revolução à séria! Olha, o que fazia cá falta era uma guerra civil! Vê lá os espanhóis onde é que eles tão. Ou atão uma merda maior ainda! Vê lá alemães. Foderam-se duas vezes e duas vezes vieram à tona. São como os cagalhões, os sacanas! Não se afundam nem à pedrada. <br /> Agora aqui? Oh, pá! É levar no cu desde que nasces até que morres! E depois de morto só não te enrabam se não puderem! tás-te a rir? Sabes quanto é que gastámos com a morte do meu velho? Quase trezentas biscas, pá! Não tivesse ele deixado uns trocos e tinham-no enterrado na vala comum! É como eu te digo, ó Calisto! Isto tá bom é para os gatunos, pá!<br /> Se não fosse cá por merdas assaltava um banco! Mas bater com os costados na pildra e sujeito e a apanhar sabonetes! Foda-se, tá quieto! A merda toda é essa! Senão a ver se não era!<br /> Eu não sei onde é que isto vai parar, pá! Os putos, não têm educação nenhuma. Mandam mais eles que os pais! Na escola fazem o que lhes apetece. Se um professor lhe espeta um tabefe no focinho tá mais fodido có caralho. Havia eu de dar ao meu pai certas respostas que às vezes ouço para ai! Levava um avio de cachaporra pelos cornos abaixo que dava para o mês todo! Mas de quem é a culpa? Claro que é dos pais, pá! Dos pais e da merda dos psicólogos! Isso é outra raça que anda para aí a encher o cu à custa dos pacóvios! Eu bem gostava de saber se na casa deles os filhos fazem o que lhe dá na telha e é só conversinhas mansas, como na televisão. Gostava de saber se na casa deles não se grita. Urtigas no cu dos outros são malvas! Hoje não se pode fazer nada aos meninos! Senão ficam todos traumatizados. Coitadinhos! Levei poucas, eu! E ainda aqui ando! E digo-te que se levasse mais não tinham sido mal dadas! Sabes como é que dizia o meu pai? “A porrada não educa, mas conserva”. É como te digo, pá! Só se perdem as que caem no chão. Levassem eles umas lamparinas na trombil quando as pedem e não se via a pouca vergonha que se vê hoje! <br /> Ó Calisto, não me fodas, pá! Atão mas antigamente havia respeito aos mais velhos e hoje não há porquê, caralho? Deixam-nos fazer tudo! Depois ficam como aquele puto do anúncio, que só dá vontade é de lhe dar duas bolachadas no focinho! E a ele e à mãe! Tem côdea! Foda-se! Tem côdea? Tivesse eu côdeas quando tinha a idade dele, pá. Vim de Angola num barco carga, com sete anos fui viver para a Charneca, para uma barraca de contraplacado, que aos meus velhos ninguém deu casa! Brinquedos eram pedras e paus, e aos onze, obras com ele, que já tinha escola a mais! Isso é que é trauma, não é umas lambadas quando fazem falta! Por isso é que esta merda anda cheia de paneleiros, ou o caralho, que até mete nojo! Tem cona! Raios partam esta merda, pá! <br /> Havia de ser um filho meu a torcer-me o nariz ao pão! Ao pão ou ao que quer que fosse! É de pequenino que se torce o pepino, ou não é? Os meus cá, assim que começam a levantar cachimbo, e ainda são pequenitos, levam logo pela medida grossa. Era o que faltava, um fedelho meu mandar em casa! Antes cagar um pé de merda que levar um filho meu a um psicólogo! É uma corja, pá! É o que eu te digo. Vai por mim! Olha, psicólogos e políticos, era pô-los todos num barco com uma machadada no casco! Foda-se! Eu é que devia mandar nisto, pá! Não sei onde é que isto vai parar, ó Calisto… mas antes que isto piore, manda ai vir mais duas, que agora pago eu. <br /> </span></div>Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-62295852450565946232008-12-19T12:40:00.001-08:002008-12-19T12:54:03.368-08:00Segredo é segredo!<span style="font-family:arial;">- Gostas das minhas maminhas?<br /> e eu a acenar sins com a cabeça<br /> a não dizer nada<br /> tinha jurado <br /> não dizer nada<br /> quando a Ana Maria<br /> - Jura por Deus que não dizes nada a ninguém.<br /> e eu <br /> que sim <br /> com a cabeça<br /> que sim<br /> que não dizia <br /> - … nada a ninguém.<br /> a cabeça por mim<br /> - Juro.<br /> “por Deus”<br /> (por quem mais)<br /> a cabeça, por mil palavras, como se dissesse<br /> - Fica só entre nós.<br /> porque a Ana Maria<br /> - Se jurares que não contas a ninguém, deixo-te mexer. Queres mexer, não queres?<br /> e eu logo<br /> que sim<br /> que sim<br /> com a cabeça<br /> “por Deus”<br /> que sim<br /> que queria <br /> a não dizer nada<br /> jurado já <br /> e a Ana Maria <br /> - Gostas?<br /> e eu<br /> que sim <br /> com a cabeça<br /> que sim<br /> “por Deus”<br /> - Juro.<br /> a cabeça por mim<br /> que sim<br /> que sim.<br /> Eu tinha sete anos e a Ana Maria… bem, não sei. Trabalhava lá em casa desde o meu aniversário<br /> Janeiro, portanto.<br /> Estávamos nas férias da Páscoa, quando ela<br /> - Queres ver as minhas maminhas?<br /> e eu <br /> pela primeira vez <br /> que sim<br /> que a cabeça <br /> por mim<br /> que sim<br /> de cima da minha cama<br /> um verbo sequer<br /> nada<br /> a cabeça apenas.<br /> Eu <br /> sete anos <br /> e a Ana Maria… bem, não sei. Quando se tem sete anos a idade dos adultos é-nos confusa. E tirando os velhos, têm todos a mesma idade. Digamos que para uma criança de sete anos<br /> ou pelo menos eu com sete anos<br /> os adultos eram-no a partir dos quinze<br /> pelo menos o meu primo Ricardo já devia ser, visto fumar. Embora<br /> como a Ana Maria<br /> - Jura por Deus que não dizes nada a ninguém.<br /> quando eu<br /> no quintal<br /> com patinhas de gato<br /> o meu primo Ricardo<br /> - Jura por Deus que não dizes nada a ninguém.<br /> e eu<br /> com a cabeça<br /> “por Deus”<br /> (por quem mais)<br /> que sim<br /> que não dizia <br /> - …nada a ninguém.<br /> Portanto, a Ana Maria, adulta, como os meus pais, o meu tio Almiro, a minha tia Cila, o meu primo Ricardo<br /> já que fumava<br /> quinze anos<br /> e me dizia<br /> além de <br /> - Jura…<br /> - A tua empregada, puto, dá-me cá uma ponta!<br /> e eu acenava que sim com a cabeça<br /> sem entender ponta <br /> como sem entender ponta quando<br /> o Ricardo<br /> a fazer-me companhia nas férias.<br /> Não a mim<br /> sei-o agora<br /> à Ana Maria <br /> que <br /> - …dá-me cá uma ponta!<br /> e por<br /> sei-o agora<br /> seio agora<br /> que<br /> (- Queres ver as minhas maminhas?)<br /> a Ana Maria<br /> dezoito anos, talvez vinte<br /> Quando se tem sete anos a idade dos adultos é-nos confusa. E tirando os velhos…<br /> a Ana Maria<br /> sei-o agora<br /> gostava mais de mim que do meu primo Ricardo, pois nunca lhas havia mostrado. Nunca lhe havia perguntado<br /> - Gostas das minhas maminhas?<br /> sei-o agora<br /> porque um juramento com a cabeça não vale, não é? Espero que Deus entenda assim<br /> que a Ana Maria entenda que sim<br /> um descuido<br /> como um espirro<br /> juro que como um espirro<br /> “por Deus”<br /> que como um espirro<br /> - Juro.<br /> - Juro que a Ana Maria não me põe em cima da cama e me mostra as maminhas para eu mexer.<br /> - Quê, puto?<br /> o meu primo Ricardo<br /> - Quê, puto?<br /> obrigando-me a jurar de novo<br /> e eu<br /> “por Deus”<br /> (por quem mais)<br /> - Juro por Deus que não me deixa apertar assim…<br /> (a exemplificar com as mãos)<br /> deixando o meu primo Ricardo de boca à banda<br /> a jurar por Deus que<br /> - … nada a ninguém.<br /> - Juro.<br /> Afinal eu também jurara que ele<br /> quinze anos<br /> adulto<br /> portanto<br /> - … não fuma no quintal às escondidas, tia. Nem na garagem. Juro por Deus. <br /> Afinal um segredo é um segredo!</span>Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-86484814554603804962008-12-19T12:38:00.000-08:002008-12-19T13:12:55.242-08:00Se eu fosse a contar…<div align="justify"><span style="font-family:arial;">- Tanta vez que eu levei aqui a sô dona Amália! Tanta vez! Nem queira a menina saber. Sempre que precisava de um táxi ligava lá para a central<br /> (ela não, a menina Estrela)<br /> mas é a mesma coisa<br /> ligava lá para a central<br /> (que na altura não havia cá telemóveis)<br /> e mandava vir o Pires. <br /> - Tanta vez!<br /> - Era uma senhora. Coitadinha! É assim a vida! Vão-se embora os bons e os maus ficam cá, para semente, que é boa! Anda tudo ao contrário! Mas o que é que se há-de fazer. Deus é que sabe. Olhe, que lhe tenha lá alminha em descanso! <br /> - Tanta vez, menina! Tanta vez!<br /> - Olhe, uma vez, eram quatro da manhã<br /> (nunca mais me esqueço, tinha ido levar um cliente à Artilharia 1) <br /> ligaram-me para o rádio para ir à Rua de São Bento, 193. Já sabia para quem era. Meia hora depois arrancávamos para o Porto. <br /> - Tinha uma confiança em mim, que a menina nem calcula! Sei de coisas que nem os melhores amigos dela sonhavam! E o que já insistiram comigo para escrever um livro!? Calhando, ficava rico! Mas eu quero lá saber do dinheiro! Olhe, tenho uma casa paga, o carro é meu, uma filha formada, que já me deu dois netinhos<br /> (são estas duas jóias, aqui ao lado do S. Cristóvão)<br /> de modo que o dinheiro… <br /> - Há coisas que não têm preço, menina. Não concorda? Obviamente! É uma riqueza que está aqui dentro e vai comigo para a cova. Por isso, quando a malta amiga<br /> - Ó Pires, porque é que não escreves um livro com essas coisas, pá?<br /> eu logo<br /> - Não!<br /> E não! Por dinheiro nenhum! Olhe, só se fosse pela saúde destas duas joínhas que aqui estão. Nem pela minha. Pode a menina acreditar. Nem pela minha! Segredo é segredo. Pelo menos cá comigo é assim. Quero chegar lá acima de consciência limpa, piscar o olho à sô dona Amália e receber aquela gargalhada que dizia<br /> - Ó Pires, só você para me aturar estas coisas todas, homem!<br /> - Ai, que saudades, meu Deus! <br /> - Bem, não importa! O que lá vai lá vai. Como a sô dona Amália dizia, e muito bem, “ninguém foge ao seu destino”, e o meu, olhe, é este, andar de cá para lá a levar histórias de um lado para o outro. Mas se eu fosse a contar… ai Jesus! Caía outra vez o Carmo e a Trindade. Olha, olha! O coronel Baptista Lima… ui! Dava cá um livro! Mas não. Fica cá dentro que está muito bem. Ou pensa que foi para o Porto sozinha, naquela noite? Ah! As pessoas sabem lá! Os artistas são homens e mulheres, como toda a gente. Têm é de se abrigar mais, que senão comem-nos vivo. É por essas e por outras que aqui o Pires não quer outra coisa que esta vidinha discreta. Às vezes é complicada. E de que maneira! Mas não trocava isto por nada, menina. Acredite que não. E quem me tirasse este carrinho das mãos era abri uma cova e chutar-me lá para dentro. Mas ser artista… Não! Eu sou dos bastidores. Olhe, ainda fiz teatro, quando era novo. Entrei numa peça com o mestre Eugénio Salvador, que Deus tenha, no Maria Vitória. A menina já não é desse tempo. Mas não dava para aquilo. Tinha de trabalhar, e depois os ensaios… Enfim! Entretanto conheci a minha Elvira e, olhe, o teatro foi outro. Ah,ah,ah… Ai, ai! Mas prefiro assim. Vejo muito, falo é pouco!<br /> - Falei na sô dona Amália porque causa do fadinho que passou. Ainda hoje, e os anos que já lá vão, sempre que a ouço na rádio, fico todo arrepiado. Olhe, de estar a falar nisso. Mas o que não faltam são artistas que eu já levei aqui, menina! Quer dizer, aqui não, que este é novo. Era um outro Mercedes, um 300 Diesel. Aquilo sim era uma máquina! Não é que me possa queixar deste <br /> (Mercedes é Mercedes)<br /> mas já não se fazem carros daqueles. Sabe quantos anos trabalhou ele nas minhas mãos? Todo o santo dia, que nas folgas ia sempre dar uma volta com a patroa a e filha? Vinte e cinco! É verdade! Vinte e cinco anos, menina! E sabe quantas vezes é que me deu problemas? Uma. Um furo! Ah,ah,ah… Ai, ai! Até dava gosto! Para mim era família. E quando tive de me desfazer dele, foi como se me tivesse morrido um irmão. Até chorei. Palavra de honra, menina! E olhe que fiz duas campanhas na Índia. Isto pode parecer parvo, mas era um companheiro. Passei mais horas com ele do que com a minha mulher. Olha, olha! Se fosse a fazer contas: dias de trabalhar doze, catorze horas. Semanas sem folgas, que isto a vida não era simples. A malta nova hoje queixa-se, e a menina desculpe, mas sabem lá o que isto já foi.<br /> - De modo que não é este, mas… A gente que aquele menino conheceu! Olhe, aquele é que se soubesse escrever tinha mais histórias que o Diabo! Que um homem aqui à frente vai de olhos na estrada. Nem sou cá pessoa de espreitar pelo retrovisor. Se falarem comigo, tudo bem, senão, vou aqui no meu cantinho, caladinho que nem um rato. Ouço as notícias, e tal. O resto também interessa pouco. Até a rádio já não é o que era. Dantes era uma companhia, agora… O que é bom acaba depressa. Sabe? Tenho saudades é dos Parodiantes! Ah,ah,ah… Esses andavam sempre comigo para todo o lado. E cheguei a transportar alguns. Não me lembro agora é do nome de nenhum. Bem, não importa. Mas aquele menino se soubesse escrever… Ui! As coisas que às vezes se fazem nos bancos de trás dos táxis. Imagino!<br /> - Olha-me para este agora. Anda lá com isso, pá! Cartas da farinha amparo! Hoje qualquer um tem carta! Por isso é que isto anda tudo entupido e é só acidentes. No meu tempo, menina, para se tirar a carta até aulas de mecânica tínhamos de ter! Mas não era cá aprender a mudar pneus! Era mecânica! Agora, desde que se pague, toma lá e faz-te à estrada. Tenho mais medo de certos tipos que andam na estrada que do Diabo!<br /> - Mas como lhe dizia, menina: Tantos! Nunca mais daqui saíamos. Olhe, só para ter uma ideia: Raul Solnado; Carlos do Carmo; o falecido Ary dos Santos; a Beatriz Costa, coitadinha, que Deus também já lá tem; o grande Tony de Matos, outro que também já lá está. Tantos, menina! Olhe o Badaró. Esse nem sei se ainda é vivo ou não. Já não é do seu tempo. Ainda se lembra!? É o do limpa o pó, é. Era um prato, esse malandro. A Ivone Silva. Ai, do que eu me fui lembrar! Uma vez apanhei-a à porta do ABC, valha-me Nossa Senhora, nem sabia onde morava… Foi o saudoso José Viana que a teve de ajudar a entrar no táxi, que vinha às arrecuas. <br /> - Não é assim, ó Ivone! <br /> parece que o estou a ouvir<br /> e ela<br /> - É assim é. É para trás que mija a burra!<br /> Era uma senhora!<br /> Tantos, menina! Tantos! Nunca mais daqui saíamos.</span></div>Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-47474974547414986172008-11-16T14:48:00.000-08:002008-11-16T14:49:40.892-08:00Olha o passarinho<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT">- Está ali um pente e um espelho se quiser dar um jeitinho ao cabelo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o fotógrafo…<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>corrijo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o retratista<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(camisinha às flores)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a indicar-me com o dedo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(acusador)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>como que a obrigar-me, ou à vergonha em mim, a dar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- … um jeitinho ao cabelo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de cabelo no ar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(embora o não dissesse)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>lhe estragava<span style=""> </span>arte<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que os fotógrafos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>corrijo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>os retratistas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>crêem-se uns artistas <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>por isso<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Está ali um pente e um espelho…<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(se quiser)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>na ponta do dedo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(acusador)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- …um pente e um espelho…<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(só se quiser, está claro)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>na subtileza da comunicação, a ouvir-se<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><span style=""> </span>- Que de cabelo no ar estraga-me a arte.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>ou <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Depois não se venha cá queixar que ficou com cara de porco-espinho!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e tudo isto no <i style="">bouquet </i>paralinguístico de<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Está ali um pente e um espelho se quiser dar um jeitinho ao cabelo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>De modo que eu<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>dois passinhos para o toucador <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(no silêncio dos obedientes) <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>onde<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- … um pente e um espelho…<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e o meu reflexo, contrariado, à espera de mim para <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- …um jeitinho ao cabelo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>O pente<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>bidimensional<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>dentes finos, dentes grossos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>deitado sobre o <i style="">naperon <o:p></o:p></i></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span></span></i><span style="font-family: Arial;" lang="PT">de olhos baixos, nu, envergonhado<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span></span></i><span style="font-family: Arial;" lang="PT">cheio de cabelos e caspa<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a pedir-me desculpa<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(prostituta entre dois fretes sem tempo de passar pelo bidé) <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>no embaraço próprio dos objectos sujos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>conforme um espelho reflectindo o dono.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E eu a estender-lhe a mão<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>embaraçado por embaraçá-lo, a fingir que <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>nojo nenhum, importância alguma<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(Coitado, não tinha culpa. Tinha era caspa, com cabelo, como muita gente!)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a pegar nele<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e o pente <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>retraído<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a mudar de cor<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>embaraçado<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>não obstante eu<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Tem de ser amigo.<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a levá-lo à cabeça num gesto só<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a fingir que <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>nojo algum, nenhuma importância<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>apesar das voltas do estômago<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>como se o pente uma garfada de mioleira pela goela abaixo, provocando-me arrancos de vómito, contracções na cárdia.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E nisto<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>um risco ao meio, perfeitinho, porque o cabelo a afastar-se sozinho<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de mãos na boca, contendo o vómito<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>como o mar vermelho <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>metade para cada lado<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>com nojo de Moisés<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>enquanto o fotógrafo<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>corrijo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o retratista<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(calcinha vermelha)<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>faraó impiedoso <span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>procurando lentes, olhos de Rá, a umbela, pequeno pálio contra a luz forte do deserto<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(salinha a que chamam estúdio)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(…uns artistas)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>à espera que eu acabasse de dar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- … um jeitinho ao cabelo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E de volta à salinha<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(a que chamam estúdio)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(jeitinho dado)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o dedo acusador apontado ao centro, ao banquinho de enroscar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>desenroscar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de s’ enrascar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>desenrascar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o banquinho<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>ao centro<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>diante de um painel de palmeiras, gaivotas e mar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>onde eu<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>jeitinho dado<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>risquinho ao meio<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a tomar lugar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>direito<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a julgar que<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>direito<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>pois o fotógrafo…<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>corrijo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o retratista<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(sandalinha de couro)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a dizer<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Um pouco mais para a direita.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Já foi demais.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Para a esquerda agora.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Numa indecisão parlamentar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Endireite a espinha.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E eu com vontade de lhe gritar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Quem tem espinha são os peixes.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a endireitar a “espinha”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(no silêncio dos obedientes)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>não como ele queria<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que os artistas nunca estão satisfeitos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a aproximar-se de mim<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>camisinha às flores<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>calcinha vermelha<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>sandalinha de couro<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a aproximar-se de mim com dois polvos de cinco tentáculos, colando-se-me à cabeça, fazendo força<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Assim.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e sem que eu me mexesse<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Não se mexa!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E eu com vontade de lhe gritar que não me tinha mexido, “maricas de merda”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>camisinha de couro <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>calcinha às flores<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>sandalinha vermelha<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que não me tinha mexido<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>com vontade de lhe gritar <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Quem tem espinha são os peixes.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>A não me mexer<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(no silêncio dos obedientes)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>procurando evitar os tentáculos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>perfumados<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>cheios de anéis e pêlos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>paradoxo estético <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>apesar de não me mexer<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>um tentáculozinho a lamber-me o queixo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Assim!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>toquezinho de nada, importância das importâncias<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que os artistas nunca estão satisfeitos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que os artistas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Cuidado, que me estraga a arte!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que os artistas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Depois não se venha cá queixar que ficou com cara de Mário Soares.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Um toquezinho de nada e<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Está bom. Não se mexa agora. Isso. Vá, agora um sorrisinho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e eu com uma vontade de sorrir tão grande quanto de engolir uma caixa de pregos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a forçar as bochechas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(no silêncio dos obedientes)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- … um sorrisinho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a imaginar um polícia para mim<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- … um sorrisinho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>desconfiado<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>porque a fotografia a não corresponder à minha cara, onde<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>sorrisinho nenhum<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de modo que a fotografia sorridente a ter de pôr uma cara séria, carrancuda, a imitar-me, a colar-se a mim, para não me arranjar problemas com a autoridade<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>porque os artistas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o fotógrafo…<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>corrijo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o retratista<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(cabelinho pelos ombros)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a insistir<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- … um sorrisinho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E eu com vontade de lhe gritar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Quem tem espinha são os peixes.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a forçar as bochechas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(no silêncio dos obedientes)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a descolar os lábios<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a imitar um sorriso<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>diferente de sorrir<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>imitar apenas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a não querer estragar-lhe a arte; para que depois não me fosse lá queixar que ficara com cara de sapo penteado e<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(no silêncio dos obedientes)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a olhar para o passarinho<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>quando<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Agora olhe para o passarinho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Passarinho, aonde?<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>anéis e pêlos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>paradoxo estético<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>cinco tentáculos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>ardil manhoso <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que os passarinhos não têm tentáculos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que os passarinhos não têm anéis nem pêlos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>nem paradoxos.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>De modo que passarinho nenhum<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>passarão<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>não passarão<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>passarola<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>passareta<span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>borboleta<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>pianola<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>borbotão<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de patinha no botão<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Agora olhe para o passarinho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E eu com vontade de lhe gritar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Quem tem espinha são os peixes.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a olhar para os tentáculos penados<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>anéis e pêlos<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>direito no banquinho de enroscar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>desenroscar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de s’ enrascar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>desenrascar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o banquinho<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>ao centro<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>diante de um painel de palmeiras, gaivotas e mar<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>onde a brisa a ameaçar-me o cabelo, o risco, o penteado<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de bochechas forçadas<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>sujeito a arranjar problemas com a autoridade<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>fixando o pintassilgo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o pintarroxo <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o pintainho<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>até que <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><i style="">Flash<o:p></o:p></i></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a deixar-me cego<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>gravado na chapa<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>com cara de porco espinho<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Mário Soares<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>sapo penteado<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>que o artista <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>corrijo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o maricas de merda<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>camisinha pelos ombros<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>calcinha de couro <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>sandalinha às flores<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>cabelinho vermelho<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>bem me deu a entender <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Depois não se venha cá queixar…<o:p></o:p></span></p>Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-21839757.post-49514859863688938072008-11-16T14:46:00.000-08:002008-11-16T14:48:48.653-08:00Agora ou Nunca<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT">Olhava com inveja para as barrigas vaidosas das grávidas que se passeavam felizes pelo jardim da Estrela, quando <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Importa-se que fume?<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a rouquidão de uma voz, ainda mal se havia sentado no banco que passámos a ter em comum. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Não me importava. Não estava grávida. Infelizmente nenhum motivo para<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Preferia que não.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">- Estou farta desta merda! Tenho quase quarenta anos <o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style="">(na verdade apenas trinta e cinco)<o:p></o:p></b></span></i></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e não consigo engravidar. <o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>A Isabel aos gritos, num misto de frustração e desespero. Enquanto eu <o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a ouvi-la e pouco mais. <o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Também eu queria um filho…dela! <o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Quero fazer um teste de fertilidade. Quero saber se sou seca! Quero saber se o castigo é meu!<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>num misto de frustração e desespero.<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Esteja à vontade!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>respondi, quase sem tirar os olhos de um vestido salmão que se arredondava sobre o ventre de outra mulher que por ali passava<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(cabra)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>de braço dado.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Se o problema for meu, deixas-me? <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>o Paulo a perguntar-me com um olhar de cachorro preso à matricula diminuinte do carro dos donos.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">- Claro que não! Estás parvo?<o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>foi a resposta da Isabel, ganhando coragem para fazer a mesma pergunta.<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><i style=""><span style=""> </span>- Eu também não! Nunca, Tolinha!<o:p></o:p></i></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><span style=""> </span>tomando-a nos braços e rematando<o:p></o:p></b></span></i></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><span style=""> </span>- Por isso não vale a pena castigarmo-nos com a verdade. Não importa de quem é o problema. É nosso. Basta. Não quero que te agonies, nem me quero agoniar eu.<o:p></o:p></b></span></i></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><span style=""> </span></span></i><span style="font-family: Arial;" lang="PT">Mas para mim não bastava. Queria sabê-lo. Queria-o quase tanto quanto a um filho. E por isso agoniava-me; agoniava-o. E no limite do desespero<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style="">A Isabel aninhar-se-me nos braços e, apesar de não satisfeita com a proposta, a deixar-se ficar em silêncio à espera do silêncio húmido dos meus lábios. Tentámos mais uma vez!<o:p></o:p></b></span></i></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Fuma? <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a voz, desconcertante, estendendo o maço na minha direcção.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">A coisa parecia descontrolada. Devorávamo-nos até ao limite do possível, num desespero incompreensível à razão. O desejo era tal, e tal a sofreguidão, que foi a melhor vez da minha vida; apesar de não o termos feito um com o outro. Eu, com uma fantasia selvática tornada realidade, e a Isabel, com o desejo enraivecido se ser mãe. <o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>(<b style="">Era agora ou…<o:p></o:p></b></span></i></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Não costumo… mas aceito um, sim!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Afinal de contas, nenhum motivo para<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- …não.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>e uma mão morena com uma chama na ponta avançando na minha direcção. E o cheiro a tabaco a misturar-se com um perfume quente que me entrou pelas narinas adentro despertando-me um desejo desconhecido. Estava aceso o instinto; o cigarro também.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style="">- Nunca me deixas, Paulo?<o:p></o:p></b></span></i></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Claro que não, tolinha!<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><i style="">E mais saliva e mais suor e mais pêlos da carpete colados à humidade dos corpos (…)<o:p></o:p></i></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>… ou nunca!)<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Eu sabia o problema não ser meu. Não que alguma vez tivesse feito um espermograma na vida, mas porque <o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- “Ou tu casa com a Rosinha, ou eu te mato, desgraçado!”<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><span style=""> </span>as palavras sentenciosas do pai da rapariga (da moça, melhor será dizê-lo) mal a barriga da filha se começou a tornar indiscreta. Uma aventura sem importância, um par de vezes: uma tarde, uma noite ou duas, que me obrigou a fugir da Baía sob ameaça de morte.<o:p></o:p></b></span></i></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span></span></i><span style="font-family: Arial;" lang="PT">- Quando olho para estas crianças a correr de um lado para o outro, sinto uma vontade enorme de ser pai.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>a voz do companheiro de banco e de fumo, envolta na neblina do cigarro, que já não fumava desde os tempos do Liceu Francês, a trazer-me de volta à Estrela, ao banco, ao seu lado. Parecia ter voado com o fumo, até à idade em que os sonhos e a realidade são uma e a mesma coisa, mas aquela voz pétrea rebentou a bola de sabão em forma de ventre prenhe que me envolvia os sentidos, no preciso momento em que as minhas mãos mentais se dirigiam descontroladamente para o pescoço da rapariga de salmão que tornava a passar. Parecia que de propósito para me provocar.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Cabra!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Cabras! Todas!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Tinha vontade de as espancar, de lhes arrancar a beleza das faces plenas de felicidade à chapada, mas… porque a voz<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span></span></i><span style="font-family: Arial;" lang="PT">- Quando olho para estas crianças…<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>eu<i style=""><o:p></o:p></i></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span></span></i><span style="font-family: Arial;" lang="PT">- Como disse? <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Quando olho para estas crianças a correr de um lado para o outro, sinto uma vontade enorme de ser pai.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">Duas semanas depois, sob o pretexto de ir tratar dos papéis para o casório, apanhei um autocarro e mil e duzentos quilómetros depois, num avião para Portugal. <o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- A senhora tem filhos?<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Tenho dois! - menti, no meio de duas passas denunciadoras.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- A vida nunca me deu essa felicidade! - e puxando fumo, acrescentou de peito cheio: - Mas ainda não perdi a esperança! - olhando-me desarmante para a alma nua.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">Era agora ou nunca! Caídos um para cada lado do chão onde <o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>exaustos, encharcados, plenos…<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Eu na minha virilidade de macho; Isabel na sua maternidade de fêmea.<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Nunca me deixas, Paulo?<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Claro que não, tolinha!<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Há coisas que não se explicam e… A tarde começava a acinzentar e o vento tinha tomado a forma de uma mão sob a aba do meu vestido, ali onde a coxa começa e a penugem se arrepia ao mínimo contacto. Quando dei por mim o banco tinha desaparecido e, no seu lugar, o alto miradouro do jardim, onde aquela voz rouca, um cavalo a galope pelas colinas das minhas espaldas acima, num encaixe completo até à medula dos ossos.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">Hoje terá nove anos. Menino ou menina! Não sei. Creio que não vou saber nunca. Tal como <o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>saber nunca<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>se meu ou não<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>pois apenas um par de vezes: uma tarde, uma noite ou duas<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>apesar de ela<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Por tudo o que há dji mais sagrado que é seu, Paulo! - lavada em lágrimas.<o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><b style=""><i style=""><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Nestas coisas as mulheres não se enganam. <o:p></o:p></span></i></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>As minhas mamas famintas de leite enchiam a cada investida e o meu ventre morto respondia a cada massagem cardíaca que aquele estranho paramédico me ministrava. Não sei explicar. Não quero explicar.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">Foi uma loucura aquela noite!<o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Foi uma loucura aquela tarde!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>No mês seguinte o período não veio e no lugar dele uma sensação de intraduzível felicidade. Um exame de farmácia confirmou o anseio, e dois meses depois a ecografia dava-me a melhor das notícias.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- São dois! <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>podia dizê-lo agora sem mentir quando alguém<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- …tem filhos?<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">Não podia nem acreditar. Isabel estava grávida e eu ia ser pai!<o:p></o:p></i></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Só pode ter sido feito daquela vez! - assegurava o Paulo numa excitação infantil.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>E eu<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>- Claro que foi, tolinho!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span>Afinal… quem poderia saber?!<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;" lang="PT"><span style=""> </span><b style=""><i style="">Nestas coisas as mulheres não se enganam.<o:p></o:p></i></b></span></p>Norberto Moraishttp://www.blogger.com/profile/06702193385386763746noreply@blogger.com0