Thursday, December 13, 2007

Sem ti… nenhuma história faz sentido

Chegavas cansada de um dia cheio de anúncios e respostas vagas

- A vaga já foi preenchida.

- Entraremos em contacto.

- De qualquer das formas deixe-nos ficar o seu curriculum.

de pisar quanta pedra há no lagar da cidade e nem uma gota de sucesso sob os teus pés exaustos.

Entraste devagar, na pouca casa alugada com vista para as plantações de antenas dos telhados velhos de Alfama, onde o mundo termina e a cidade não entra

como nós por vezes não entramos em pequenas partes de nós, pois nem tudo quanto nos pertence nos dá acesso

e eu

a bater teclas

à procura de palavras incríveis, de frases que mais ninguém se havia lembrado, parágrafos de tirar o fôlego

ao passo que tu

nem uma gota de sucesso sob os teus pés

exaustos

por um pisar inútil de quanta pedra há no lagar da cidade.

Deixei-me a ouvir-te entrar, num desferrolhar de porta, no movimento calmo do teu tempero; no suspirar de mais um dia

(menos um dia)

no lagar da cidade

desmontei os óculos do nariz e fixei-te os olhos

exaustos

como os teus pés

felizes por estarem em casa

nesse lugar intermédio onde mundo termina e a cidade não entra.

Sorriste-me, ternamente, como da primeira vez que nasceste nos meus braços

tiraste os sapatos com os pés, e abandonaste-os à entrada

da pouca Alfama alugada com vista para cidade de antenas, onde o mundo não entra e onde os velhos telhados terminam nas plantações das casas de

sapatos

aparelhos de tortura que arrancaram qualquer confissão

emprego nenhum

- A vaga a ficar já foi contactada.

- Entrará de qualquer das formas.

- Deixe-nos preencher o seu curriculum.

mas emprego algum.

As contas a acumularem-se sobre o frigorífico delapidado, e eu a bater teclas à procura de palavras incríveis, de frases que mais ninguém se havia lembrado, parágrafos de tirar o fôlego

ao passo que tu

na minha direcção

descalça

(como só tu és bela)

e antes mesmo de eu

qualquer pergunta

tu

que o dia todo a pisar quanta pedra há no lagar da cidade e nem uma gota de sucesso sob os teus pés exaustos

descalços

descalça

(como só tu

bela)

tu

não eu

que sentado o dia todo

à procura de palavras… frases… parágrafos de tirar o fôlego

tu

a perguntar-me

- Então amor, como é que correu?

E eu com vontade de

- Tive uma ideia fantástica

ou

- Resolvi reformular aquela parte em que o assassino…

mas nada

nem uma linha que se aproveitasse

uma palavra; uma frase; um parágrafo de tirar o fôlego

e a sentir-me o mais egoísta dos homens

a olhar-te no silêncio dos amantes

a responder-te com um beijo que

“morri de saudades tuas”

que

“sem ti nenhuma palavra…

frase

parágrafo

… tem sentido”

que

“sem os teus olhos

os teus braços

as tuas coxas em torno de mim

num apertar de vontade

forte

os teus dedos a derreterem-se-me nos lábios

os teus lábios nos meus dedos

o teu pescoço cheio de segredos e arrepios

o teu cabelo suado na nuca

os teus pés

a minha boca…”

exaustos

de um dia cheio de pedras vagas e nem uma gota de resposta no pisar de anúncios de quanta cidade há no lagar do sucesso.

Palavras… frases… parágrafos?

nenhum sentido

sem ti

senti

saudades tuas

sentido nenhum

a dizer-te no encaixe silente do amor

do movimento calmo do teu tempero

não haver palavras

frases… parágrafos

que expressem a força dos teus olhos quando

no silêncio lânguido dos amantes

me dizem

- Ama-me, que estou morta de cansaço!