Thursday, May 31, 2007

Tá bem, tá!

- Se não larga o tabaco de hoje para amanhã, não lhe dou seis meses de vida!

O médico a querer assustar-me. É o papel deles, eu compreendo. Afinal, a não ser que

acções da Tabaqueira

que outra coisa podiam dizer? Mas se o tabaco fosse aquilo que os médicos apregoam, nenhum médico fumava, e alguns

mais que as chaminés da antiga “Cimentejo”

por isso, quando o doutor Rui

- Se não larga o tabaco de hoje para amanhã...

eu a pensar

- Tá bem, tá!

- Estes pulmões quase não se vêem! - com a radiografia diante de um painel luminoso.

Mas eu sabia que estavam lá. Sentia-os muito bem. Cada dia mais pesados, cada dia mais concretos, a dizerem-me, num amarrotar de saco de papel, “estamos aqui, sim, Eurico, não te preocupes! A propósito, não tens para ai um cigarrinho, não?”.

E eu

a propósito

até tinha

ainda que

- … de hoje para amanhã…

De modo que, mal sai do consultório, tau, um cigarrinho pós queixos; que a mim não me apanham nessa!

- Tá bem, tá!

Qualquer coisa que um homem tem

- É do tabaco!

E antes de haver tabaco? Ninguém morria, qués ver! Não sabem o que um homem tem, e então

- Estes pulmões quase não se vêem!

- Não se vêem ou você não percebe nada do ofício? - é o que dá logo vontadinha dum gajo perguntar! Mas o quê?!

Eu bem me lembro do Carlos. Todo desporto e dietas e olha, faz para o mês que vêm oito anos que um cancro no estômago o levou.

Valeu-lhe um bocado a canseira e a fome! E agora digam-me a mim que é o tabaco.

- Tá bem, tá!

Tanta corrida e tanta fruta, e olha, já lá está. Essa é que é essa! Enquanto que aqui o Eurico ainda cá anda… a carregar dois pulmões vivinhos, que bem os sinto…

Cada dia mais pesados, cada dia mais concretos, a dizerem-me, num amarrotar de saco de papel “estamos aqui, sim, Eurico, não te preocupes! A propósito, não tens para ai um cigarrinho, não?”.

De modo que, mal sai do consultório, tau… que a mim não me apanham nessa!

E apesar de Novembro, o céu particularmente carregado, numa escuridão radiográfica contra a luz fosca do Sol

- Estes pulmões quase não se vêem!

como as casas ao fundo da rua, o horizonte do Tejo. Mas que lá estão, estão; como os meus pulmões que

Cada dia mais pesados … num amarrotar de saco de papel… não te preocupes

Eu…

…rico

Portanto, o que é preciso é chegar mais perto

(O problema dos curtos de vista!

…o papel deles, eu compreendo.)

e lá estão as casa, os pulmões

Só que ninguém, para Lisboa,

- Se não larga o tabaco de hoje para amanhã, não lhe dou seis meses de vida.

Porque o mais certo era ouvirem logo

- Tá bem, tá!

Que Lisboa

(tal como eu)

não vai nisso!

O meu pai fumou até aos oitenta e quatro anos e, não fosse ter perdido os olhos antes dos pulmões, ainda hoje estaria vivo, que quem se desvia dos eléctricos a tempo vive pelo menos até aos cem. Disso é que deviam avisar as pessoas!

- Se não sai da linha agora não lhe dou seis meses de vida.

Qual seis meses?! Nem nada!

O perigo está é nessas coisas. E é por essas e por outras que eu, dos Restauradores para São Pedro de Alcântara, a penantes que é uma beleza. Que a mim não me apanham num eléctrico, nem que os pulmões

- Bem, Eurico, vamos andando. Agora é que é!

A calçada da Glória um purgatório, mas

uma paragenzinha pelo meio

um cigarrinho

A propósito…

e cá estamos nós prontos para mais uma tirada, que daqui ao Rato é um pulinho. Por isso, se os pulmões não estivessem bons, subia a calçada mas era o subias.

- E já viu essa tosse?! Parece um cão com esgana!

E eu a ver que era aí que estava o problema. O doutor Rui a perceber mais de bichos do que de gente. Acontece a muitos! Não seguiu veterinária e olhem

- …quase não se vêem! - com a radiografia diante de um painel luminoso.

como as casas ao fundo da rua, o horizonte do Tejo.

- Não se vêem ou você não percebe nada do ofício? - logo a vontadinha que dá! Mas o quê?!

Mais cinco minutos e faço-me de novo ao caminho

que as pernas

não os pulmões

que esses

… não te preocupes!

as pernas é que já não são o que eram.