Sunday, November 16, 2008

Agora ou Nunca

Olhava com inveja para as barrigas vaidosas das grávidas que se passeavam felizes pelo jardim da Estrela, quando

- Importa-se que fume?

a rouquidão de uma voz, ainda mal se havia sentado no banco que passámos a ter em comum.

Não me importava. Não estava grávida. Infelizmente nenhum motivo para

- Preferia que não.

- Estou farta desta merda! Tenho quase quarenta anos

(na verdade apenas trinta e cinco)

e não consigo engravidar.

A Isabel aos gritos, num misto de frustração e desespero. Enquanto eu

a ouvi-la e pouco mais.

Também eu queria um filho…dela!

- Quero fazer um teste de fertilidade. Quero saber se sou seca! Quero saber se o castigo é meu!

num misto de frustração e desespero.

- Esteja à vontade!

respondi, quase sem tirar os olhos de um vestido salmão que se arredondava sobre o ventre de outra mulher que por ali passava

(cabra)

de braço dado.

- Se o problema for meu, deixas-me?

o Paulo a perguntar-me com um olhar de cachorro preso à matricula diminuinte do carro dos donos.

- Claro que não! Estás parvo?

foi a resposta da Isabel, ganhando coragem para fazer a mesma pergunta.

- Eu também não! Nunca, Tolinha!

tomando-a nos braços e rematando

- Por isso não vale a pena castigarmo-nos com a verdade. Não importa de quem é o problema. É nosso. Basta. Não quero que te agonies, nem me quero agoniar eu.

Mas para mim não bastava. Queria sabê-lo. Queria-o quase tanto quanto a um filho. E por isso agoniava-me; agoniava-o. E no limite do desespero

A Isabel aninhar-se-me nos braços e, apesar de não satisfeita com a proposta, a deixar-se ficar em silêncio à espera do silêncio húmido dos meus lábios. Tentámos mais uma vez!

- Fuma?

a voz, desconcertante, estendendo o maço na minha direcção.

A coisa parecia descontrolada. Devorávamo-nos até ao limite do possível, num desespero incompreensível à razão. O desejo era tal, e tal a sofreguidão, que foi a melhor vez da minha vida; apesar de não o termos feito um com o outro. Eu, com uma fantasia selvática tornada realidade, e a Isabel, com o desejo enraivecido se ser mãe.

(Era agora ou…

- Não costumo… mas aceito um, sim!

Afinal de contas, nenhum motivo para

- …não.

e uma mão morena com uma chama na ponta avançando na minha direcção. E o cheiro a tabaco a misturar-se com um perfume quente que me entrou pelas narinas adentro despertando-me um desejo desconhecido. Estava aceso o instinto; o cigarro também.

- Nunca me deixas, Paulo?

- Claro que não, tolinha!

E mais saliva e mais suor e mais pêlos da carpete colados à humidade dos corpos (…)

… ou nunca!)

Eu sabia o problema não ser meu. Não que alguma vez tivesse feito um espermograma na vida, mas porque

- “Ou tu casa com a Rosinha, ou eu te mato, desgraçado!”

as palavras sentenciosas do pai da rapariga (da moça, melhor será dizê-lo) mal a barriga da filha se começou a tornar indiscreta. Uma aventura sem importância, um par de vezes: uma tarde, uma noite ou duas, que me obrigou a fugir da Baía sob ameaça de morte.

- Quando olho para estas crianças a correr de um lado para o outro, sinto uma vontade enorme de ser pai.

a voz do companheiro de banco e de fumo, envolta na neblina do cigarro, que já não fumava desde os tempos do Liceu Francês, a trazer-me de volta à Estrela, ao banco, ao seu lado. Parecia ter voado com o fumo, até à idade em que os sonhos e a realidade são uma e a mesma coisa, mas aquela voz pétrea rebentou a bola de sabão em forma de ventre prenhe que me envolvia os sentidos, no preciso momento em que as minhas mãos mentais se dirigiam descontroladamente para o pescoço da rapariga de salmão que tornava a passar. Parecia que de propósito para me provocar.

Cabra!

Cabras! Todas!

Tinha vontade de as espancar, de lhes arrancar a beleza das faces plenas de felicidade à chapada, mas… porque a voz

- Quando olho para estas crianças…

eu

- Como disse?

- Quando olho para estas crianças a correr de um lado para o outro, sinto uma vontade enorme de ser pai.

Duas semanas depois, sob o pretexto de ir tratar dos papéis para o casório, apanhei um autocarro e mil e duzentos quilómetros depois, num avião para Portugal.

- A senhora tem filhos?

- Tenho dois! - menti, no meio de duas passas denunciadoras.

- A vida nunca me deu essa felicidade! - e puxando fumo, acrescentou de peito cheio: - Mas ainda não perdi a esperança! - olhando-me desarmante para a alma nua.

Era agora ou nunca! Caídos um para cada lado do chão onde

exaustos, encharcados, plenos…

Eu na minha virilidade de macho; Isabel na sua maternidade de fêmea.

- Nunca me deixas, Paulo?

- Claro que não, tolinha!

Há coisas que não se explicam e… A tarde começava a acinzentar e o vento tinha tomado a forma de uma mão sob a aba do meu vestido, ali onde a coxa começa e a penugem se arrepia ao mínimo contacto. Quando dei por mim o banco tinha desaparecido e, no seu lugar, o alto miradouro do jardim, onde aquela voz rouca, um cavalo a galope pelas colinas das minhas espaldas acima, num encaixe completo até à medula dos ossos.

Hoje terá nove anos. Menino ou menina! Não sei. Creio que não vou saber nunca. Tal como

saber nunca

se meu ou não

pois apenas um par de vezes: uma tarde, uma noite ou duas

apesar de ela

- Por tudo o que há dji mais sagrado que é seu, Paulo! - lavada em lágrimas.

Nestas coisas as mulheres não se enganam.

As minhas mamas famintas de leite enchiam a cada investida e o meu ventre morto respondia a cada massagem cardíaca que aquele estranho paramédico me ministrava. Não sei explicar. Não quero explicar.

Foi uma loucura aquela noite!

Foi uma loucura aquela tarde!

No mês seguinte o período não veio e no lugar dele uma sensação de intraduzível felicidade. Um exame de farmácia confirmou o anseio, e dois meses depois a ecografia dava-me a melhor das notícias.

- São dois!

podia dizê-lo agora sem mentir quando alguém

- …tem filhos?

Não podia nem acreditar. Isabel estava grávida e eu ia ser pai!

- Só pode ter sido feito daquela vez! - assegurava o Paulo numa excitação infantil.

E eu

- Claro que foi, tolinho!

Afinal… quem poderia saber?!

Nestas coisas as mulheres não se enganam.

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