Monday, April 23, 2007

Página de diário

Já não dóis!

Hoje acordei com a sensação de que já não dóis. Quando há uns meses atrás me disseram que tudo iria passar, que era apenas uma questão de tempo, achei que o diziam só para me consolar a dor, já que a verdade em mim era contrária a tudo isso. Era porque nunca tinham amado! Todos quantos me diziam que

- Isso vai passar, Sandra.

era porque nunca tinham sentido o verdadeiro Amor. Comigo era diferente. Dramaticamente diferente. Doías-me como um pedaço de mim arrancado a sangue frio para nunca mais, mas

a verdade é que passou

a verdade é que

Já não dóis!

Hoje és um verbo no pretérito…

imperfeito.

Como é que conjuga o verbo do teu nome?

Eu era Rafael

Confirmo.

Tu eras Rafael

Achava eu!

Ele…não existia.

Nós éramos Rafael

Vós, se éreis, a serdes, não seríeis senão Rafael

Eles… eles não importavam.

Tudo era

(não era?)

Rafael.

Fiz-te mil perguntas que até ontem me devias as respostas; e ontem é um tempo indeterminado. Hoje que

acordei com a sensação de que já não dóis

já não preciso que mas dês, porque

não doendo

os porquês são “para quês”

isto é, nenhum sentido.

De qualquer modo, não tinha ficado completamente na ignorância. Respondera-as eu. Algumas sabia a resposta, e as que não sabia, tratei de inventar. Tu mesmo me dizias muitas vezes

- Lá a inventar és tu boa!

com o teu ar de enfado

(mas porque é que os homens sempre ar de enfado quando

- … apenas uma pergunta?)

- Fiz apenas uma pergunta! Gostas de mim?

- Que mania! - como resposta; resposta nenhuma.

Também esta pergunta não me importa que ma respondam. Inventarei uma resposta para ela, afinal

- Lá a inventar és tu boa!

com o teu ar de enfado.

- Se estavas à espera que eu fosse o príncipe encantado… - e a pendurares a frase no bengaleiro da vulgaridade.

bem que estava enganada!

- Né?

Eras um sapo. Um sapo vulgar, e por isso, todos os beijos em vão. Todos menos o primeiro

para saber

o segundo

para confirmar

e o terceiro para me desiludir.

Três beijos o bastante para saber se príncipe ou sapo. Tudo o mais um desperdício de afecto.

Podia ser dos meus beijos. Afinal nunca tinha beijado ninguém!

Nem mesmo um sapo!

Por isso

quatro, cinco, até a boca começar a amargar, até os lábios não saberem a mais que à cal fria das paredes húmidas; até que as lágrimas a humedecerem-me mais os lábios que a tua saliva; até que

beijos a mais para poder sair assim

sem nada.

Um beijo ao menos! Um saco de beijos sobre a rugosidade verde do teu egoísmo! Mas não. Mas nada. E tiveste de ser tu a dizer

- Fechou o casino do amor, menina. Isto é mesmo assim! Uns dias ganha-se outros dias… - e a pendurares a frase no bengaleiro da vulgaridade.

Mas eu continuava à espera. Sim, porque é de mulher ficar à espera (também isso tu nunca entendeste!) A princesa não sai a correr pela floresta procurando o príncipe. Ela espera e ele vem. Ele vem sempre. Não sabes? É sempre assim. Se calhar nunca te contaram histórias quando eras criança e eu estou a ser má contigo!

Será que não contam contos de fadas aos meninos? Que criança triste deves ter sido!

…e eu… a ser má contigo!

Um dia, quando for mãe, vou contar muitas. Vou contar sempre, que eu não quero filhos sapos aos saltos pelo palácio.

Se calhar… estou a ser má contigo!

Não, não estou! Se nunca ouviste contos de fadas não podes ser um príncipe. Porque só quem ouviu contos de fadas pode ser um príncipe. Nem que seja um príncipe com orelhas de burro.

Não me importo!

Por isso, és um sapo! Porque os sapos não têm orelhas, e por isso nunca nenhum conto de fadas. Pois só para os sapos os mimos das princesas são caprichos. E todas princesas têm miminhos

que não são caprichos

mas sim medinhos. Não sabes?

Porque é de princesa parecer frágil.

Entendes?

E por isso

- Mostra-me como gostas de mim!

- Mostra outra vez!

- Mostra mais!

- Mostra, mostra, mostra… mais, mais, mais e mais!

É simples, é só sentir.

Dai as respostas que eu queria de ti não serem palavras, mas olhares. E tu nunca olhaste para mim, ainda que muitas vezes os teus olhos no meu peito

não no meu coração

no meu peito

onde achavas que eu estava

ou onde apenas os teus olhos de sapo conseguiam chegar

e eu

porque já não dóis

a ser má contigo.

2 comments:

propria said...

muito bom! (para mim, o melhor até agora).

gostei tanto de "beijos a mais para poder sair assim sem nada"

… é tão difícil dizer adeus
… é tão difícil explicar a importância de um beijo
… é tão difícil explicar a importância de muitos beijos

obrigada

rainha da ironia said...

lol
tive de olhar várias vezes para o nome do autor para ter a certeza que tinha sido escrito por um homem..
:)