Sunday, March 16, 2008

Por quanto tempo se atraem os opostos?

- Tenho um amigo que vais adorar!

a Rita nestas coisas não perdoa. É com boa intenção, eu sei, mas não perdoa. Prece que não pára para pensar.

- Pensar para quê, mulher?

Não pára, de facto.

- A vida são dois dias e o Carnaval são três!

a vida da Rita um Carnaval, e ela um cabeçudo tonto às cabeçadas de um lado para o outro com um riso pintado no rosto que não é o seu. Que importa isso? Não é a Rita que importa aqui. A Rita está bem, independentemente da análise. Que importa a análise? Que importa o quê? Que importa o que importa?

Nada!

Por isso, quando a Rita

- Tenho um amigo que vais adorar!

não disse nada; não contestei, porque

que importa?

Somos muito diferentes uma da outra, se calhar é por isso que nos damos bem. Eu mais passiva, ela mais dominadora

(dito assim até parece que…)

que importa?

Deve ser a lei natural do Universo: a lei da compensação; do equilíbrio; do onde está mais para o onde está menos; sempre assim até à exaustão; apatia; atrofia; entropia…

- Pára, pára, pára tudo…

e Rita, e Rita, irrita... chega!

Do princípio:

- Tenho um amigo que vais adorar!

É este o ponto… o ponto de partida, o ponto que me fez puxar da agenda sem compromissos para me pôr nisto

psicanálise de papel e lápis

no divã das dunas

(que não há em Carcavelos

e daí a poesia a não funcionar)

cadeira de plástico

o que se pôde arranjar

esplanada de Outono de frente para o mar…

(mas nem tudo o que rima é ouro

ou poesia)

que importa?

sozinha

que importa?

café, cigarro e água das pedras…

papel e lápis

Bom...

- Tenho um amigo que vais adorar!

e a ideia é sairmos hoje. Jantarmos num mexicano para os lados de Algés

- …que vais adorar!

e de lá para Lisboa. Um pulinho. Bairro alto.

- … vais adorar!

Eu tenho trinta e oito anos

(não sei qual é o limite de idade para se entrar no Bairro Alto)

mas sinto que já o passei.

- Que palermice, Isabel!

Para a Rita tudo é

- … palermice…

- Solteirão; boa pinta; advogado…

E aqui caiu-me tudo!

Tudo menos um advogado

tipos chatos

sempre com razão

toda a razão do mundo

como os psicólogos

ou filósofos

(não os distingo)

teoria, teoria, teoria…

conversa e mais conversa…

Não tenho pachorra para conversas; para explicações. Tenho

trinta e oito anos

(não sei se já disse)

e já expliquei tudo o que tinha a explicar. Mil vezes.

Pachorra nenhuma para

patati patata

e ao fim da noite

- Muito prazer!

(e prazer nenhum)

num trocar de camisolas inócuas, em forma de números de telemóvel, para um dia destes

- … tomamos café.

e para tomar café eu tomo sozinha

como agora

no divã de plástico da poesia, de frente para o Outono, onde um mar de água das pedras foi tudo quanto se pôde arranjar, nesta esplanada de dunas de frente para as cadeiras de ouro que não rimam com Carcavelos, nem funcionam como não funciona o café, os cigarros, ou o psicanalista de papel e lápis. Mas que não importa?!

Eu a não querer explicar nada. Eu a não querer conversa fiada; eu a não querer um conhecedor de vinhos e capitais europeias; um campeão de trivial.

- … um amigo que vais adorar!

Não me façam rir!

- … vais adorar!

a Rita. A Rita que anda a comer o instrutor de Pilates. A Rita que não saberia dizer onde fica o Norte mesmo que o Norte lhe mordesse no rabo; a Rita e o Ricky

(é assim que ele se chama)

a não falarem de nada. A rirem de tudo. Saímos e eles bebem, riem e dançam e, quando vão para casa

nenhum racionalismo cartesiano; nenhum Monet que os impressione; Wagner algum que lhes componha ramalhetes de Válquirias.

Para que quero eu um advogado? Para que quero eu alguém a quem tenho de explicar o inexplicável; o que expliquei mil vezes. Não há cursos para entender as pessoas

qual Psicologia qual carapuça

nenhum

por isso

que importa?

se o importante é

beber, rir, dançar e…

e no dia seguinte

ou na segunda-feira seguinte

- Aquele homem dá cabo de mim.

a Rita a não precisar de lhe referir o nome

(Ricky)

apenas

- Aquele homem…

No entanto, para mim

- …advogado…

- …vais adorar!

E que faço eu com um advogado? Por melhor que possa começar, com um advogado acaba sempre mal.

Somos diferentes, eu sei, mas que diabo, haverá assim tanta diferença entre nós que a faça pensar que não gosto da coisa? Creio mesmo que Rita não me vê com sexo. Que até tem pena de mim; que o comenta com

- Aquele homem…

durante o cigarro da pausa.

- Coitada da Isabel…

…uma ova!

Coitada da Isabel uma ova, ouviste!?

Também tenho nervos, também tenho humores, também tenho…

também tenho.

Por isso, quando digo à Rita que não quero ninguém, não é

ninguém

mas, ninguém como os que tenho tido. O que não é o mesmo que não querer, mas agora…

um advogado!?

Quero alguém diferente de mim. Alguém mais infantil; mais acriançado; que me revolte; que me faça rir e achá-lo tolo. Quanto tempo durará? O mesmo que duraram os sérios, intelectuais; chatos… Quero alguém que me canse, não quero alguém que me mace. A verdade é que os opostos se atraem, seja lá por quanto tempo for.

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