Thursday, July 05, 2007

Hora de Almoço

Uma hora de almoço, e já lá vão dez minutos, porque nunca saio a horas e

cinco minutos mais cedo

eu de novo a subir a escada, porque não se justifica o elevador para um primeiro andar. Daí que uma hora de almoço uma força de expressão com quarenta e cinco minutos apenas. Da mesma forma a vida, que devia ser cem anos, não bem cem anos, visto que dez minutos depois; cinco minutos antes. E com a conversa já lá vão mais cinco e a hora de almoço reduzida a quarenta minutinhos apenas. Porque a partir de certa hora, minutinhos e não minutos.

A vida a encurtar, a hora de almoço a encurtar e

- Uma sandes de ovo e um sumo natural.

Saudavelzinho!

Se os ovos da capoeira da tia Alzira, não de um aviário qualquer, algures em Espanha.

O mais certo!

Saudavelzinho!

Se não os compostos químicos no concentrado de sumo que, natural, importado algures da América Latina.

Mas então o quê!? Um homem trabalha, tem de se alimentar. E que não trabalhasse, ora essa! Rápido e barato, que uma hora de almoço

não bem cem anos

dez minutos depois; cinco minutos antes.

por isso

- Uma sandes de ovo…

espanhol

- …e um sumo natural.

latino-americano

(como se a América Latina um só país)

Saudavelzinho!

E em quinze minutos eu fora, na rua outra vez, que os balcões dos snack-bares não são para fazer sala. Há mais quem queira comer e não lhe reste mais que dez minutos de vida,

portanto,

outra vez na rua

sozinho

porque nenhum colega de trabalho

ou melhor

no restaurante vegetariano, ali ao pé, onde nunca entrei. Não porque não vegetariano, mas porque o dinheiro, como a vida, a hora de almoço, a encurtar. Ou pelo feitio solitário, não sei. Se calhar apenas por não muito bem-vindo, ainda que

- Se não fosses tão amigo da carninha…

como quem diz (sem dizer)

“vinhas connosco”.

nunca me tenham convidado.

E eu apenas

- Pois!

como quem diz

“vão-se lixar!”

como para o empregado de balcão

- Uma sandes de ovo e um sumo natural.

Saudavelzinho!

- … tão amigo da carninha…

Menos quinze minutos, quatro euros e trinta; cinco com o café.

Na rua, portanto, dizia, não com os colegas de trabalho

no vegetariano

não porque vegetarianos, mas porque uma boa desculpa para eu não os acompanhar

visto que

- … tão amigo da carninha…

E eu que não acompanharia de qualquer das formas, porque o ordenado, como a vida, a hora de almoço…

eu que não acompanharia

eu que não acompanho

Podem ir a outro restaurante, não se prendam por mim!

Coitados! Sempre a privarem-se

- …da carninha…

do peixinho

Saudavelzinho!

- Se não fosses tão amigo da carninha…

Se não fosse tão amigo da carninha o quê?

Celso

Vinhas

Chamo-me Celso Vinhas!

Podem completar a frase, sem se comprometerem. Podem simplesmente

“Se não fosses tão amigo da carninha, Celso!”

- Custa muito? Hum? Custa?

Em vez das reticências

Celso

Digam:

“Se não fosses tão amigo da carninha, Celso Vinhas”

connosco

E eu, de qualquer das formas

descansados

não ia

somente

- Pois!

não tinha intenções de mais que

- Pois!

Por isso, completem a frase com o meu nome, ao menos!

Eu prometo que

- Pois!

não mais que

- Pois!

Não comprometo, prometo!

Eu feliz porque a acelerar. O tempo, a vida, o ordenado. Vinte e cinco minutos ainda; uns trocos depois das despesas pagas: um cinema, um livro; uma excentricidadezinha de quando em quando. Quem sabe um teatro; um dia uma ópera no São Carlos! E os sonhos a consumirem tempo - que é disso que os sonhos se alimentam - como pombos cheios de asas a debicarem ponteiros pelas praças fora

Pic, pic, pic, pic…

Melhor um livro. Mais tempo. Que o teatro, como o cinema, a vida ou a ópera, uma hora de almoço e

Puf

já se foi

(porque cinco minutos mais cedo… de novo a subir a escada… não se justifica o elevador para um primeiro andar)

enquanto o livro, o mesmo preço, e uma longa metragem, uma série.

Sigo pela avenida, procurando o Sol por entre a ramagem, e sento-me a admirar um canteiro, onde um carreiro de formigas (sem pausa para o almoço) m m m m m m m m m m m m, em filinha, m m m m m m m m m m m m

sem pausa para o almoço que as formigas

- … se alimentam de trabalho! - como diz o patrão Esteves, ao ver-nos sair para o almoço

- Vocês deviam era ser como as formigas que…

Realmente nunca vi uma formiga a comer. Desde criança que me despertam o interesse. Quando será que pausam para o almoço? Lá em cima devem-se fazer a mesma pergunta!

Será que almoçam juntas? No vegetariano uma e outras

- …tão amigas de carninha…

E nisto, eu de cócoras, a aproximar os olhos

não bem olhos

as antenas

(digamos que antenas, para facilitar)

e a cabeça toda já dentro do formigueiro, o corpo todo numa marcha rápida que a vida não bem cem anos

dez minutos depois; cinco minutos antes.

e túnel após túnel, galeria após galeria, num correr desalmado, cada qual com a sua folhinha na boca

a sua pasta

o seu jornal

qualquer coisa que não distingo porque sete minutos apenas e ainda duas ruas um túnel, uma praça ou galeria

cheias de m m m m m m m m m m m m, em filinha, m m m m m m m m m m m m, num agitar louco que

Lá em cima

a mesma pergunta

despertam o interesse

para cá, para lá, para cá, para lá…

como pombos cheios de asas a debicarem ponteiros pelas praças fora

Pic, pic, pic, pic…

e

cinco minutos mais cedo

a desembocar

na minha galeria

de olhos afogueados

não bem olhos

antenas

(digamos que antenas, para facilitar)

a subir a escada, porque não se justifica o elevador para um primeiro andar.

1 comment:

Alice atrás do Espelho said...

A originalidade esta a apurar dentro desse teu caldeirao da imaginação, continua a cozinhar assim que nós esperamos por mais desses acepipes!