Friday, December 19, 2008

O fantasma da Madalena

Conheci-a em cada da Edite
 festa de anos
 chamava-se Odete e
 como eu
 estava sozinha.
 A Edite, amiga de longa data
 (do tempo já da 5 de Outubro, quando o escritório ainda rejeitava clientes, por “excesso de trabalho”)
 sempre teve queda para padroeira do encalhados. De modo que
 a não me admirar 
 se ela
 - Tens de conhecer o Óscar.
 falasse nestes termos à amiga
 … Odete.
 - Divorciado faz dois anos.
 (trabalhinho arranjado pela padroeira Edite)
 - Não tornou a ter ninguém.
 Um caso ou outro mal sucedido, que a Madalena nuca saiu por completo lá de casa
 ou de mim, quando eu lá em casa.
 (mas esta parte a Edite a omitir)
 apenas
 - Divorciado faz dois anos.
 e
 - Não tornou a ter ninguém.
 Pois o facto de a Madalena nunca (…) por completo… 
 …lá de casa
 a fazer com que
 de cada vez que uma mulher no 3º esquerdo
 (não digo o número) 
 da Rua de Arroios
 o fantasma da Madalena
 - É impressão minha ou cheira-me a puta!?
 e o amor
 ou a carência que o parece
 a sair gorado.
 Duas apenas, em dois anos
 uma por ano, numa análise estatística
 embora nenhuma mais de duas semanas, que o fantasma da Madalena
 (casada já, e com um filho que nunca lhe fui capaz)
 a ironizar de nariz torcido
 - É impressão minha ou cheira-me a puta!?
 Por isso, quando a Edite
 - É o Óscar. É a Odete.
 o meu estômago a ficar nervoso
 não por ela
 mas porque a história a tentar de novo
 e o fantasma da Madalena
 “Alerta” 
 como um escuteirinho irritante
 a
 - É impressão minha ou…!? 
 razão porque eu
 o meu estômago
 a ficar nervoso
 porque um homem
 se homem 
 - Divorciado faz dois anos.
 não tem como
 - Não faz o meu género.
 pois dá logo vontade de perguntar
 - Ai não?! E que género é o teu?
 No fim de contas foi a Madalena quem
 - Quero o divórcio.
 a Madalena quem
 distante há muito
 um pé dentro, outro fora
 embora sempre
 - É impressão minha ou cheira-me a puta!?
 De maneira que 
 se eu
 - Não faz o meu género.
 capaz de os narizes todos 
 - Ai não?! 
 a torcerem as ventas
 - E que género é o teu?
 Pelo que
 apesar do estômago nervoso
 a passar a noite na conversa com a Odete. Diferente de mim: dia e noite, preto e branco, cara e coroa… alegre, gordinha, gargalhadas de copos pela cristaleira abaixo, enfermeira em São José, solteira
 - … e boa rapariga.
 como achou graça dizê-lo.
 Toda ela clichés. Como eu todo clichés. Só que ela clichés alegres, gordinhos
 vidros em estilhaços
 e eu
  cinzento, gravata azul, camisa sem cor, como as cuecas velhas do papá no estendal da marquise em Sete-Rios.
 Mas a verdade é que
 nessa noite
 depois das velas e do champanhe
 (porque qualquer gasosa é champanhe)
 portanto
 depois das velas e do champanhe
 que o bolo a mim não me cai bem
 nessa noite…
 como hei-de dizer?
 a Odete que
 - Acho que já estou a ficar tonta!
 a pegar-me no braço e, entre marteladas na cristaleira, a garantir-me
 - Você é tão engraçado, Óscar!
 a fazer-me sentir na obrigação de
 - Trata-me por tu.
 como se lhe levasse a mão ao interior da blusa e lhe soltasse a mola do soutien que lhe oprimia o peito
 arrancando-lhe um suspiro
 - Acho uma óptima ideia! 
 de maneira que
 ao despedir-me
 a Edite logo
 - E tu, Odete, como é que vais?
 puxando-me pela prontificação
 e antes de a Odete
 um táxi, ou coisa que o valha
 eu logo
 - Posso levá-la.
 que na opinião da Odete
 - … uma óptima ideia! 
 Num chover de copos pela cristaleira abaixo.
 Há um mês que passa cá os fins-de-semana e já plantou uma escova no copinho da casa de banho. Ainda não é nada certo, mas há duas coisas que me fazem crer que é possível. Uma é a Odete não sair da cama a correr para ir lavar o amor ao bidé
 não me rejeitando
 não me expelindo de dentro dela para correnteza do Tejo
 como as outras
 a Madalena, talvez
 não me lembro se a Madalena 
 depois de…
 a Madalena
 ou a torneira do bidé
 numa cumplicidade secreta
 para correnteza do Tejo
 como as outras duas
 que
 mal acabávamos
 - Vou só à casa de banho num instante. 
 Agora a Madalena não me lembro.
 A verdade é que nunca um filho meu
 (e agora
 casada já, e com um filho que nunca lhe fui capaz)
 dois abortos espontâneos 
 a própria palavra
 espontâneos 
 a dizer tudo
 a rejeitar-me atrasadamente
 enquanto a Odete 
 depois de nós (…)
 a ficar
 gargalhando alto
 por tudo e por nada um desastre de copos pela cristaleira abaixo
 - És tão engraçado, Óscar!
 a não sair da cama a correr 
 a não
 - Vou só à casa de banho num instante. 
 a achar tudo
 - … uma óptima ideia! 
 a rir
 gordinha
 feliz. 
 A outra coisa
 das duas que me fazem crer que é possível
 é o facto do fantasma da Madalena nunca mais
 - É impressão minha ou…!?
 uma pontinha de nariz
 de vez em quando
 torcido, é certo
 mas nunca mais
 - É impressão minha ou…!?
 assustado, é possível, pelo estilhaçar de copos da Odete 
 que não acreditava em fantasmas nem em palermices e está cá 
 parece-me
 para ficar
 o que eu
 de certa forma 
 até acho
 - …uma óptima ideia! 

3 comments:

Anonymous said...

Antes de haver cheiro a puta, há falta de 3 letras. Descobre quais são ;)

Espero que saibas quem sou. Um abraço sincero.

Anonymous said...

Ah, e bom ano! (Raios partam o whisky, agarra-me as idéias e leva-as numa espécie de balão para a puta que as pariu.)

Unknown said...

Muito bonito. Adorei!

Um beijo
Rosa