Wednesday, April 01, 2009

Quando estamos carentes…

A Ana, nua, é uma mulher com movimentos de gata. Estica-se, rebola, ronrona e entrega-se num abandono manso que as palavras que conheço me não bastam para o explicar. Ana tem vinte e nove anos e quando não está na cama comigo preocupa-se com a idade. Não é muito bonita, tem sardas no peito magro, dedos compridos, púbis negra, ligada ao umbigo por um carreiro de penugem descolorada. Podia dizer que Ana é esguia, mas já lhe referi os dedos e a magreza do peito. Se não refiro mais é, talvez, porque Ana seja apenas isto. Insisto: se não refiro mais… apenas isto.
Embora pudesse encher a página com coisas de Ana… não o faço. Isto apenas me basta. E a quem lê… a quem lê tanto lhe dá, e mais espaço fica para compor como for. De Ana apenas mais três coisas: casada, mãe de um filho e minha amante.
Conhecemo-nos pela Internet. Facilitador de emoções e conversas
bonequinhos amarelos que falam por nós; uma flor, um “lol” e
um encontro na Sé
cafezinho discreto…
- Parece que nos conhecemos há muito tempo, já!
a Ana a dizer e eu a concordar.
Quando estamos carentes sentimos afinidade com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua que nos devolve o olhar e logo
- Parece que nos conhecemos há muito tempo, já!
E apesar de o saber
quando a Ana
- Parece que nos conhecemos há muito tempo, já!
eu a concordar
porque discordar é adiantar conversa e conversa não adianta nada.
De modo que

qualquer coisa que a Ana
- …, não achas?
eu
(que talvez nem achasse)
- Sem dúvida!
Porque quando estamos carentes concordamos com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua que nos devolve o olhar e logo
- Sem dúvida!
e daí a um encontro na Sé
cafezinho discreto
um pulinho
como dali para a minha cama
onde a Ana
nua
movimentos de gata
entregando-se
num abandono manso que as palavras que conheço me não bastam para o explicar
a garantir que
- Nunca tinha sentido isto antes.
Porque quando estamos carentes somos compatíveis na cama com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na almofada que nos devolve o olhar e logo
- Nunca tinha sentido isto antes.
porque quando estamos carentes a memória é uma coisa difusa, um suspiro de açúcar que engana a fome. Daí que
- Nunca tinha sentido isto antes.
e um olhar, um sorriso, um gesto parvo, uma carantonha, uma gargalhada, um abraço rebolado em lençóis adolescentes
e
- És tão parvo!
- … tão parva!
Porque quando estamos carentes achamos graça a um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na dobra do lençol que nos devolve o olhar e logo
- És tão parvo!
- … tão parva!
em gargalhadas com vontade de infinito, porque nos sentimos apaixonados, já
tão certos, já, de que
- Acho que estou apaixonado…
- … apaixonada por ti!
Porque quando estamos carentes apaixonamo-nos por um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua, na almofada, na dobra do lençol, que nos devolve o olhar e logo
- Amo-te!
prenhes de força, capazes de tudo
seguros da correspondência exacta entre o sentimento e a expressão
- Amo-te!
Porque quando estamos carentes amamos um número muito maior de gente. Olhamos para alguém no ecrã, que nos devolve um bonequinho amarelo, uma flor… e
- Amo-te!
“lol”
com a mesma facilidade com que
- Podemos encontrar-nos na Sé.
cafezinho discreto
e
num pulinho
movimentos de gata
sardas no peito magro, dedos compridos, púbis negra, ligada ao umbigo por um carreiro de penugem descolorada.
Não custa nada
um bonequinho amarelo, uma flor, um “lol”
e…
- Parece que nos conhecemos há muito tempo, já!
Afinal, quando estamos carentes sentimos afinidade com um número muito maior de gente. Olhamos para alguém na rua que nos devolve o olhar e logo
- Parece que nos conhecemos!?
- Há muito tempo, já!

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