Saturday, July 26, 2008

Há pessoas que nascem para serem únicas

Há pessoas que nascem para serem únicas. Não, não são todas. Mas é o caso do Hilário. Dono de um potencial inacreditável e de um Snack-bar na Avenida de Paris
(zona privilegiada da cidade).
Cursou engenharia electrónica no Instituto Superior Técnico e sempre viveu ali perto, na casa que ainda hoje habita, depois do súbito desaparecimento do pai
(- … a PIDE.)
e da morte da mãe. Por isso não terminou o curso
no qual
assegura
(e ninguém tem motivos para não crê-lo)
não havia pai para ele
porque o Hilário
- Conheci pessoalmente o Elvis Presley.
numa das muitas viagens que fez aos Estados Unidos.
Mas a vida dá mais voltas que um tambor de uma máquina de lavar, e umas vezes está-se por cima e outras enrolado de cabeça para baixo.
Poucas coisas, para não dizer nenhumas, havia que, contadas por outros, não tivessem acontecido ao Hilário levantadas à potência. De modo que, quando um dia o Paulo Luís
cliente habitual da casa
- Arranjei um sarrabulho no Cais do Sodré ontem à noite, que se não fosse a bófia ter chegado a tempo, tinha desgraçado a minha vida.
todos torcemos nariz.
- Três sacanas estiveram mais de uma hora a espicaçar-me a paciência. E vocês sabem que se há gajo pacífico sou eu.
O Paulo Luís fora praticante de luta livre em novo
(treinado pelo grande Tarzan Taborda)
e só nunca entrou em competições para não matar do coração a senhora sua mãe, a quem faltava o ar sempre que o filho metia a roupa do treino no saco e saía para a Caparica. Um campeão sem nunca ter competido. E não houve falta de ofertas para que o “Cordeiro Negro” entrasse no ringue para matar.
- Este tipo é perigosíssimo!
(ouviram uma vez o mestre Taborda dizer)
- É melhor mesmo que nunca entre no ringue. No dia que entrar… - e pendurou a frase, passando o polegar pela saliência do pescoço
E nada disto era mentira, porque no dia em que Paulo Luís pisasse o ringue, a sua pobre mãe haveria de cair para o lado, mortinha da Silva.
No entanto, quando o PauloLuís
- Arranjei um sarrabulho no Cais do Sodré ontem à noite…
todos torcemos o nariz.
Não que fosse uma história impossível, mas…
De qualquer das formas éramos testemunhas que se havia gajo pacífico era ele.
O Hilário, a respeito disso, declarou logo
- A mim, uma vez…
(assim começava sempre as suas histórias)
- … no México, tinha ido com um grupo de camaradas
(era um comuna dos sete costados, como o pai)
- …a um bar, fora do hotel. E nisto, um grupo de mexicanos cai-lhes em cima na hora em que eu vou à casa de banho. Assim que volto e vejo aquele sarrabulho… meus meninos… nunca na história do México caiu uma tempestade de cadeiras pelos cornos abaixo como aquela noite! Se não eram trinta, não eram nada! Deixei ali uma despesa, que nem a vida toda a alombar daria para pagá-la. Nem a polícia escapou!
E nós a não duvidarmos, porque há pessoas que nascem para serem únicas. É o caso do Hilário, dono de um potencial inacreditável
(única coisa inacreditável nele)
e de um Snack-Bar na avenida de Paris.
(zona privilegiada da cidade).
Cursou engenharia electrónica no Instituto Superior Técnico e sempre viveu ali perto, na casa que ainda hoje habita, depois do súbito desaparecimento do pai
(comuna dos sete costados)
e da morte da mãe. Por isso não terminou o curso
no qual
assegura
(e ninguém tem motivos para não crê-lo)
não havia pai para ele
porque o Hilário
- Quantas vezes não vêm aqui professores do Técnico tomar uma cervejinha, como quem não quer a coisa e, vai no fim, tumba, estão a tirar dúvidas comigo. Colegas meus, da faculdade, pois. Eram umas nódoas. E hoje, professores! É assim a vida! Meus amigos, isto quem não tem paizinho nem padrinhos, está tramado e bem tramado! De modo que eu, que não sou um tipo orgulhoso, tiro-lhas todas como se fossem criancinhas de seis anos. Está aqui o Lerpa que não me deixa mentir.
e o Lerpa
que não o deixa mentir
a fazer sinal com a cabeça
sinal apenas
sim, talvez
talvez não
mas que todos entenderam com um
“- É verdade, sim senhor.”
Ensurdecera em Angola, mas nunca se habituara à ideia. Uma mina. Sabia-se, sem que nunca o tivesse contado. Quando falava ninguém o interrompia. Nem havia como. Aprendera a ler nos lábios e isso chegava-lhe para se fazer presente. Um dia, sem mais nem menos
- Uma vez tive um combate de nove horas. Nunca pensei sair de lá vivo.
E nós a torcermos o nariz
apesar do Lerpa
sempre cheio de medalhas na lapela do camuflado
que não despia nunca.
Nós a torcermos o nariz
(na Feira da Ladra já as vi à venda por bom preço)
apesar do testemunho de outros companheiros
dos recortes de jornal
porque
(na Feira da Ladra já as vi
por bom preço)
enquanto que o Hilário
- Isso não é nada! A mim, uma vez…
e a servir-nos uma história das suas, quentinha, numa travessa de pipis.
E nós a não duvidarmos, porque há pessoas que nascem para serem únicas.
não são todas.
caso do Hilário
potencial inacreditável
Snack-bar na Avenida
(…privilegiada da cidade)
engenharia electrónica
Instituto Superior
sempre
ali perto
casa que ainda hoje
desaparecimento do pai
morte da mãe
(a PIDE e a miséria)
por isso
o curso…
no entanto
as dúvidas aos ex-colegas
- …umas nódoas…
apesar de
sempre que alguém
- Ó Hilário, não me podes passar lá por casa para dares um olhadela na instalação?
responder sempre
- Eh, pá, ando com o tempo todo contadinho.
E nós a não duvidarmos, porque há pessoas que nascem para serem únicas.

1 comment:

Anonymous said...

Adoro ler-te!!

Vivenciei cada sílaba do teu livro «Vicios de Amor» e anseio ler-te mais e mais! É maravilhoso o modo como escreves, com alma, com amor, com sentimento!

Parabéns, muitos Parabéns!

Que tenhas sorte neste percursso que nos é tão breve para encantar cada vez mais leitores ávidos de sentir tantas e tao diferenciadas emoções através das tuas palavras!

Beijinhos!!