Cliente estranho sempre aparece! Uns até acho graça. Ficam assim de bobinho, querendo ser nosso pai e nosso filho ao mesmo tempo. Mas outros, por Deus, que não há quem aguente. É o caso de um cara dos seus cinquenta e tantos que a única coisa que quer é melar meu corpo durante uma hora inteira. Cinquenta minutos para ser mais exacta.
Não sei porque continuo recebendo ele. Aliás, sei sim. O cara me paga como nenhum outro. Normalmente cobro por hora
Cinquenta minutos para ser mais exacta.
duzentos euros
mas o preço varia um pouco conforme a variedade da coisa. Tem cliente que chega a deixar quase o dobro e outros que vêm sempre com um carinho extra. Mas esse, me deixa quinhentinhos, direitinhos, na mesinha.
E apenas para fica no chove não molha, no beijinho bobo.
É por isso que eu sigo fazendo ele. Depois que ele sai, fico meia hora no chuveiro, esfregando a pele como se coberta de um grude melento que parece não sair por nada desse mundo. É como se os seus beijos se entranhassem por debaixo da pele.
Da primeira vez em que ele
- Tenho um pedido muito especial a fazer-lhe.
fiquei logo com a pulga atrás da orelha. Sempre que um cliente chega com esse papo mole, vem bomba na certa.
- Queria ficar apenas a contemplá-la. A vê-la nua.
Não falei? Fiquei gelada. Na minha profissão a gente também se acanha. Para quem pensa que é tudo moleza. É sempre preferível o cliente tradicional. Chega, faz o tem a fazer, paga e se despede. Quanto menos frescura melhor. De preferência que seja simpático, atencioso e meigo. Mas entre um cara bruto e um cara fresco… não sei mesmo o que é pior.
E aí foi. Tirei a roupa, me deitei na cama… não disse nada. E ao final, quinhentinhos na minha mão. Nem queria acreditar. Nunca tinha ganho dinheiro desse jeito. Nuinha sobre a cama… Deus do céu! Vê se pode!? E o cara ali, me olhando, como se uma pintura famosa ou uma borboleta rara.
Da segunda vez
mal reconheci a voz no celular
(faz parte do meu trabalho. Afinal a gente tem de se proteger de algum jeito. E a voz - o papo - é o primeiro filtro)
ainda hesitei em aceitar, mas
pô
o cara foi generoso, delicado comigo. E apesar da frescura…
quinhentinhos na minha mão.
Por isso
(quem sabe se não volta a pagar bem! Se não for assim, não aceito mais)
- Na quarta está bom para você?
- …
- Às sete? Deixa eu ver.
É sempre bom dar a ideia de que se tem de dar uma checada na agenda preenchida.
- Às sete para mim está perfeito.
- …
- Até lá, então!
No dia e hora marcados lá estava ele de novo, cheio das frescuras. Dessa vez
- Permite-me que a cheire?
E ao meu consentimento mudo com a cabeça começou a me fungar por todo o corpo. Me senti como um traque no meio de um ônibus cheio de gente. Mas, fazer o quê? Nunca me tinha sentido tão desnuda diante de ninguém e, para quem diz que é “vida fácil”, foi porque nunca se sentiu bunda de cachorro farejada. O sujeito me cheirava por debaixo do meu perfume; me procurando onde eu sou de mim e de quem me quero dar. Me sentindo nua por debaixo da minha própria pele. Invadida. Não sei explicar. Um negócio estranho; perturbador. Porque a nudez não está na roupa que se tira e era precisamente essa intimidade que ele buscava em mim.
Faz dois meses já que faço esse cliente e, de cada vez que vai, nunca me deixa sem os quinhentinhos. Não sei até quando seguirei fazendo ele. Talvez até ao dia em que ele com o papo de
- Permite-me que a lamba?
pois já passou da festinha para o beijinho
e temo que quando esse dia chegar, o seguinte seja para me comer. Não seria isso um problema se fosse ele um cara normal. Mas com tanta frescura, receio bem que me queira comer de faca e garfo e não com o talher de pau que Deus lhe deu. Se é que Deus lhe deu algum!
Saturday, July 26, 2008
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1 comment:
Estes trechos são sinopses do que aí vem?
Pelos vistos o teu blogue não é uso do dia a dia e hei-de ficar sem o saber...
PS - "Cidade de lugar nenhum" será leitura destas férias.
Tem sido uma espera dura, pois desde que a versão original se passeava pelo corredor da casa cor de rosa, até ao êxito do Vícios de Amor, alguns anos se passaram.
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