Friday, September 21, 2007

mea culpa

… e quando eu digo que já não te quero mais, quero-te ainda um pouco. Não muito. Aquele pedacinho que nunca chegou. Aquele bombom que me deste a provar e que eu julgava haver mais na caixinha do teu coração, mas que me obrigou a chupar os dedos até não haver neles mais que uma ténue recordação desse sabor

do teu sabor.

É isso que eu ainda quero quando digo que já não te quero mais. É esse resto que julgo que ainda há. Mas sei

(porque uma mulher

por muito cega que esteja

sabe

porque sente)

que não há.

E já me doe a língua te tanto chupar em vão. Como uma criança na triste ilusão de uma chupeta que, talvez um dia, por ilusão que seja, lhe traga de novo o sabor da mãe. Quero esse quase nada a que tenho direito antes de me ir embora. De ganhar vergonha na cara

- …amor-próprio…

como tu dizes, e fechar a porta que tantas vezes os teus olhos me indicaram. Eu sei

(porque uma mulher

por muito cega que esteja

sabe

porque sente)

as palavras nos silêncios dos gestos não tidos.

Há muito que me mandaste embora: findo o bombom e o doce sabor nos teus dedos.

- Rua da minha vida!

com um dedo

em jeito de olhar

onde chocolate algum

nenhum sabor

dissabor…

Quero, portanto, o resto que ainda há, o último chupão do nosso cigarro, por inteiro, num encher de pulmões até à tontura. Qualquer coisa; qualquer coisa que me não faça sentir vazia, desprovida de mim até à mais pequena das partículas.

Não entendo o sentimento. Não te entendo, nem a mim. Por isso

ainda um pouco

não muito…

o resto que ainda há, o último chupão

na tua boca

nos meus dedos

nas nossas vidas.

Quando me pergunto o que ainda faço contigo a resposta que me vêm é:

“A esperança que tudo mude”.

Mas tudo já mudou. Há muito que tudo já mudou. E a verdade é que não me quero sentir estúpida por ter perdido tanto tempo

cega

(para não dizer outra coisa)

e continuar a perdê-lo contigo. E o pior é que, já tendo aguentado tudo de mau, não pode haver muito pior, o que significa

(porque assim queria que significasse)

(e outra desculpa, e outra desculpa, e outra desculpa…)

que as coisas vão mudar. Mas não vão. Eu sei, tu sabes, eles sabem… e válido para todos os tempos do verbo. Porque as coisas já mudaram e essa é a angustiante verdade com a qual não me quero encontrar

(e já encontrei).

Espero, acho

(e talvez mais uma desculpa; não sei)

por algo que venha para derrubar por completo as ruínas de nós dois. Com que cara posso eu sair à

- Rua…

da tua vida

se já te perdoei quase tudo; se já perdi toda a dignidade? Que força me pode restar para sair da

há tanto apontada

- Rua…

da tua vida?

E daí para onde?

E daí para onde, se lugar nenhum?

Nem dentro de mim

porque um vazio imenso ocupa o espaço todo e nem um cantinho de nada onde me sentar comigo a dizer mal dos homens.

Quanto mais se aceita menos se consegue argumentar connosco próprios uma fuga, um escape.

- Dissonância cognitiva!

A minha psicóloga, raios a partam, tão ceia de certezas e de seguranças, mas de perninha traçada para que a rata lhe não fuja. Juro que não queria ser vulgar!

Especial…

Especial...

Era isso que eu queria ser.

- … especial…

como tu, quando me abriste a caixinha do coração com aquele único bombom

- És uma mulher especial, Catarina.

e eu

como qualquer uma, caí.

cega

(para não dizer outra coisa)

porque não um coração, mas uma ratoeira. Não um bombom, mas um pedaço de queijo envenenado, não fosse dar-se o queijo e a ratoeira não fechar a tempo.

E agora

isto

como se todos me tivessem avisado.

De que vale um aviso diante dos olhos cegos de uma mulher apaixonada?

O mesmo que um letreiro diante de um rato, alertando

“Atenção! Perigo de morte.”

No entanto

todos a saberem muito e muito bem o que eu

- … no teu lugar…

haveria de fazer.

Mas de perninha traçada para esconder a vergonha

a insegurança, o medo, a ansiedade…

Também eu sei o que deveria fazer se estivesse no meu lugar. Mas não estou. Há muito tempo que não estou, e por isso

não consigo; não consigo: por Deus que não consigo!

Se já me entreguei toda, como posso agora reclamar o que é meu se não há nada de meu para reclamar?

vazia

mas o vazio a ocupar um espaço imenso

o espaço todo

e nem um cantinho de nada onde me sentar comigo a…

…mal dos homens.

Dei-te tudo e agora quero-me de volta. E vem-me à memória a cantilena da nossa infância; da infância dos nossos pais, dos nossos avós, que

“Quem dá e volta a tirar ao inferno vai parar!”

Mas como poderá ser o inferno pior que isto?

Como poderá ser o diabo pior que tu?

Espero, acho

(e talvez mais uma desculpa; não sei)

por algo que venha derrubar por completo as ruínas de nós dois. Mas esse algo já não vem. Não vem porque já nada há para derrubar. E tudo aquilo que eu vejo entre nós, não é senão a lembrança do que foi um dia

uma ilusão da memória

como o gosto doce nos teus dedos depois de terminado o bombom com que me prendeste a ti.

Pequei por gula… mea culpa, mea máxima culpa…

1 comment:

Anonymous said...

Porque será que estas palavras encaixam na perfeição em mim?
mea culpa... está na hora de dizer Adeus.

Adeus!

Eu...