O salão cheio de convidados e sorrisos cínicos, ou sinceros, não sei bem. Nunca soube distinguir.
O jantar não estava mau e a Guida estava linda, maravilhosa, um arraso.
- Estás linda!
- Maravilhosa!
- Um arraso!
Duas pedras de gelo a derreterem, como a minha paciência, no copo de whisky que o António
- Toma Miguel. É assim, não é?
Era assim, sim.
Nunca tive estomago para rendez-vous e croquetes, mas a Guida
- Miguel, por favor, faz um esforço!
E eu a fazê-lo, por que a Guida
-... por favor...
Estava farto de intelectualismos e críticos de arte!
- É o Bernardo Vilanova, crítico de arte.
Que raio de merda é um crítico de arte? – eu a pensar.
Que raio de merda é um crítico de arte? – no meu rosto enjoado pelo apertar gelatinoso da sua mão “sensível”.
- É duma sensíbilidade!
Uma não sei quantas a comentar para a Guida ou para si mesma, não sei bem. Nunca soube distinguir.
- Chegou ontem de Milão onde esteve a inaugurar uma galeria. – a Guida para mim.
- Cada dia um vernissage! – nos seus lábios “sensíveis”.
E eu a cagar-me para cada dia dele. E eu farto de... e críticos de arte! A arte não é possível de ser criticada. Só é possível ser amada ou não. A arte não se pode mudar, trasformar, melhorar, piorar. Mas nada disto lhe disse. Porque isso seria adiantar conversa e eu
a cagar-me para cada dia dele; para cada opinião.
- É o Bernardo Vilanova.
- Muito gosto. – sem qualquer entusiasmo na voz.
- Crítico de arte.
- Hum!
- Muito gosto. – porque a Guida
- Miguel, por favor, faz um esforço!
Por isso eu
- Muito gosto. – ainda que sem qualquer entusiasmo na voz.
O sofrimento é uma lesma cansada que se arrasta sem vontade. 23:47, e ainda agora acabou o jantar.
… não estava mau e a Guida estava linda, maravilhosa, um arraso.
- Estás linda!
- Maravilhosa!
…
Ponham-me uma cruz às costas, coroem-me a paciência com espinhos, mas andem depressa com o tempo.
- Então Miguel, quando é que sai outro livro? – um amigo de faculdade da Guida. Luís, ou Angelino, não sei bem. Nunca soube distinguir
E eu com vontade de
- Estás mesmo interessado em saber, ou perguntaste apenas para meter conversa?
apenas a dizer
-Um dia destes. - sem qualquer entusiasmo na voz.
- Um dia destes.
e não
- Estás mesmo interessado...
porque a Guida
- Miguel, por favor...
23:58, e uma taça de champanhe no lugar do copo de Whisky, sem pedras de gelo, sem paciência, apenas bolhinhas, sensíveis, como a mão gasosa do crítico de arte.
- É o Bernardo Vilanova...
Estou-me a cagar para isso! Eu a cagar-me para cada dia dele; para cada opinião. Mas apenas
- Hum! – cínico, ou sincero, não sei bem. Nunca soube distinguir.
Apenas
- Hum! – porque a Guida
- Miguel...
Estou-me a cagar para o Bernardo e para o Vilanova, ainda que somente
- Muito gosto. – ainda que sem qualquer entusiasmo na voz. E uma taça de champanhe no lugar do copo de whisky que o António
- É assim, não é?
no lugar da cruz, ou da croa de espinhos, não sei bem. Nunca soube distinguir.
Era assim, sim.
Uma taça de champanhe, falso ou genuino, não sei bem. Nunca soube...
Uma taça de champanhe, porque estas coisas é sempre com champanhe que se brindam. Ainda que eu preferisse uma cruz; uma croa de espinhos.
Sempre achei que a arte devia ser vendida na rua. Porque toda a arte é vadia, vagabunda. E não é arte se não o for. Na rua porque é selvagem e não num jardim artológico.
- Parabéns Guida! A exposição está fantástica!
- Parabéns Miguel! Por acréscimo. Por cortesia. Por educação, maquilhada, ou natural, não sei bem. Nunca soube distinguir.
- Puta que vos pariu!
Num avolumar de vontade. Ainda que apenas
- Obrigado. – sem qualquer entusiasmo na voz.
- Obrigado.
Porque a Guida
- Miguel, por favor, faz um esforço!
2 comments:
quantos de nós somos migueis nos palcos sociais...nem q seja uma vez!
este Miguel não é senão o Nor vestido de Miguel a rigor, todo aperaltado, o menino :) bom trabalho, continua a dar-lhe... um abraço Rebby
Post a Comment